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sábado, 10 de setembro de 2011

Homem de verdade

"Não se fazem mais homens como antigamente!". Parada num ponto de ônibus, ouvi essa frase de um senhor. Não peguei toda a conversa. Fui pensando, durante o trajeto, que aquele velhinho estava mesmo revoltado, pelo seu tom de voz. E tentando entender seu discurso, levando em consideração sua idade, procurei reconstruir na mente o paradigma que construiu tanto a identidade de gênero daquele bom homem, como seu comentário, por consequência.

"Seja homem, moleque!"

Essa frase, eu ouvi algumas vezes. Presenciei amigos meus ouvindo isso de pais, de professores, de amigos, de namoradas, de mães, de chefes, de...

Os homens eram educados e programados para serem o sexo forte, leia-se bruto irrepreensível. Homem não podia errar. Homem não podia fraquejar. Chorar então... homem não!

A masculinidade era demonstrada nos gritos, na frieza, na palavra final. "Homem não para pra ouvir, afinal ele é o líder familiar! A palavra final é dele, já que está sob seus ombros o comando da família, dos negócios, da política, do mundo..."

Homem não sentia dor, só se fosse em batalha, ou numa pancadaria qualquer de escola. Homem não tinha medo de nada, não vacilava, não titubeava. Homem não se dava por vencido, não se apaixonava (a não ser por uma musa inexistente e inalcansável). Homem não pegava no colo, não oferecia ajuda, não servia. Homem não sentia, afinal ele era o cabeça da relação!
Aqueles homens...

Até que vieram elas: brigaram gritaram, esperniaram, choraram, foram mães e educaram uma geração. Os novos homens!

Hoje, um homem de verdade é muito mais que seus colegas antecessores dotados do mesmo título. Hoje, homem assume seus erros e pede desculpas (e sente orgulho por isso). Homem chora se doi, seja na pele, seja no peito, seja no orgulho. Homem de verdade estende a mão para tocar leve, abraça para proteger, pergunta se está tudo bem (e realmente para pra ouvir). Homem de verdade ajuda em casa enquanto uma intelectual mergulha em livros, enquanto uma trabalhadora toma um banho, enquanto uma mãe tira um cochilo.

E vamos além: hoje, homem de verdade diz o que pensa, diz o que sente e quer se fazer conhecido. Homem de verdade se deixa conhecer, se deixa guiar, se permite ser abraçado, admite suas fraquezas.

Homem de verdade diz "Eu preciso de você" a uma mulher, sendo sincero e sendo muralha, ao mesmo tempo.

Eles continuam sendo batalhadores, trabalhadores. Continuam másculos. Ainda assumem papéis de liderança. A diferença é que também servem, também obedecem, também sentem, também respeitam. Homem também chora. E é o choro mais belo e significativo.

Mulheres, vamos admitir: choramos mais. Porque nossa raiva, nossa frustração, nosso medo, na maioria das vezes não se manifestam em violência, mau humor, piadas sem graça, quietude, fuga, voz elevada, gritos e tapas na mesa. No geral, choramos. Umas fazem cena, outras, como eu, choram quietas. O que importa é que choramos fácil.

Para um homem, o derramar lágrimas, salvo excessões, é expressão de algo tão interno, tão caro, tão repentino e inesperado, algo que lhe cala fundo no peito, seja bom ou ruim, seja amor ou orgulho, mas tão difícil, que vira espetáculo. A lágrima masculina significa tanto quanto o nosso silêncio.

Preconceito... não, não é, não me interpretem mal. Conheço sim, homens manteigas, que choram por tudo e qualquer coisa, se emocionam fácil. É bonito também, e não há nada de errado nisso.

Mas o homem que tentou a vida inteira ser "homem de verdade" nos paradigmas sociais, na maioria das vezes, vigentes, precisou aprender na marra a engolir o choro. A ser rude, frio, forte. "Magina que mulher manda em mim!" Quem nunca ouviu isso? Qualquer concessão de vontade é visto como ordem, como humilhação.

Homem de verdade vence tais paradigmas. Vence a voz social que afirma que, para ser homem, não se pode chorar, não se pode gostar de bebês, não se poder ser frágil, não se pode tocar com leveza, beijar com cuidado, parar pra ouvir, muito menos atender a pedidos. Tentar entender as mulheres então... isso não é papel de um homem que se ponha em seu lugar!

Não, o homem de verdade se permite ser quem é: se forte, forte; se frágil, frágil; se carente, carente; se solícito, solícito; se amigo, amigo; se irritado, irritado; se conquistador, conquistador; se apaixonado, apaixonado; se pai, pai; se líder, líder, não tirano. Homem de verdade chora.

Se um homem de verdade de despir de seu orgulho, de seu paradigma, de sua opinião, de seu tempo, de seu dinheiro, de sua pose, de seu status, de sua máscara... olhar em seus olhos e chorar por sua causa, cuidado: você tem um tesouro nas mãos. Cuide dele, é raro!

Conheço alguns...

E a um ano descobri um. Foi o acontecimento. Encontrei um homem de verdade na situação mais inesperada, no dia menos provável, no contexto menos propício; em lágrimas inéditas. Naquela tarde, para minha paz interior, eu, uma ex-feminista, encontrou um exemplar homem-de-verdade. Tão de verdade, longe de todas as verdades vendidas, que até hoje me pergunto se é real.