Certo: o que faço agora? A música toca e a letra vem ao encontro do que se sente. Apesar de se esforçar por ser madura e racional, às vezes o coração fala por si, simples assim. Então tudo o que está guardado a sete chaves explode em imagens rápidas.
O sorriso doce acompanha o brilho dos olhos. A certeza de que ele sorri por dentro ao sorrir pra você. E essa certeza e brilho enchem seu ser de um quê doce e transbordante, que completa, que inunda até cair nas bordas da sua pele e suas feições; fica escrito na testa. E num encontro casual, numa conversa trivial, você se pega observando, sonhando e sorrindo por dentro. Porque adora a forma que ele mexe a boca ao sorrir; porque adora a forma que te encara para defender suas ideias ou explicar algo; e porque, na contraluz, seus olhos ficam mais verdes que o normal, deixando-os embriagadores, e por que não, sedutores demais. E é nesse exato momento que você agradece aos céus por ele não saber disso, nem de todas as outras coisas que lhe conferem um poder enorme sobre você, que você não admite facilmente, nem com frequência. E a lembrança de que ficou ali o filmando te leva a outro dia, outro sorriso. E esse te faz lembrar que ele deixou a barba crescer porque você gosta, e sem você pedir, o que te faz lembrar outra cena, a do beijo da despedida da noite anterior. E é aí que consegue sentir de novo a sensação do roçar de sua barba em seu rosto, o que a leva para o cheiro de sua pele, que você começa a sentir em todos os lugares só de lembrar; o que te leva à lembrança do sabor do beijo gosto de pizza, chocolate e coca-cola. Então, você sorri de novo. E a música ainda toca e fala tudo o que, em segundos, você foi capaz de reviver. E ela faz você lembrar do quanto ele toca bem, o quanto canta bem, e que timbre de voz delicioso... A voz te leva para milhares de portas e frases, e elas voltam a ressoar em seus ouvidos como se tivessem entrado numa máquina do tempo, presentificando tudo. E seus significados vão deixando o nó da garganta maior e mais difícil de engolir. E as frases trazem consigo as caras, os cheiros, os tons, as cores e as sensações provocadas quando da emissão de cada uma, e você se vê de novo náufrago de um mar de lembranças revoltoso, onde mal se tira a cabeça da água pra respirar e outra onda te pega desprevenida. Uma lembrança leva a outra, que leva a outra, que leva a outras... o sorriso começa a ficar molhado da água do mar interno que vaza pelos olhos, primeiro em gotas, depois em filetes. É quando você percebe que está chorando, e por quê mesmo? Ah, essa música idiota! Idiota? E não é bom estar idiotamente apaixonada pelo homem que ama? Eu te amo... a frase fica parada na ponta da língua, mas o receptor não está presente. E mesmo se estivesse, não entenderia a profundidade, não sentiria o gosto da lágrima nem veria o brilho de um sorriso espontâneo e dono de si. Mas ele deveria saber, não deveria? Que o amo assim? Mas como? Ora, envie o gatilho: a música. Mas que coisa mais... mais... emocional e sem sentido! Até parece que vai ver graça nisso... E você é uma mulher madura, segura de si, cheia de certezas racionais. Será que não parecerá infantil? Ou meloso demais? Ou bobinha demais? Não vai parecer uma crise sem sentido, ou uma carência besta? Não, sua boba, vai parecer apenas o que é: você o ama e não consegue tirá-lo da cabeça. Até parece que um homem maduro pensa isso! Vai é achar a coisa mais tonta do mundo... E é aí que outra frase, dita por aqueles lábios, tempos atrás, se apresenta como resposta: "então somos dois tontos...". Ah, quer saber? Qualquer coisa você trata trivialmente e nem conta o quanto mexeu com você. Apenas diga que lembrou dele e veja o que acontece!
Enviamos o e-mail, mas não dormimos. Um lado nosso quer que ele ache lindo e responda com um "eu também te amo". Outro insiste em afirmar que sabe que ele não vai dar a mínima, isso SE ler o e-mail. Ficamos lá, feito adolescentes, brigando com as duas mulheres que somos: a que ama racionalmente, e a que se apaixonou loucamente. Nenhuma vence; na verdade, vence o sono.