
Sabem quando uma pessoa boceja e você acaba bocejando junto, sem ter vontade inicial? E sabem quando está com algo para dizer entalado na garganta, mas fica olhando para os lados esperando que alguém fale primeiro?
Pois é... Estou vendo isso acontecer em âmbito nacional. Alguns foram os que ousaram levantar a mão primeiro. Outros, com aquilo atravessado na garganta, ao ouvir o grito alheio, criaram a coragem de gritar também. Outros ainda, e sei que isso acontece, apenas se deixam levar pela onda, um reflexo instintivo e social que quando um boceja, outros o fazem, afinal multidão atrai multidões.
Na verdade, não importa muito se foi por convicção ou por modismo. Não importa se o começo foi por lei da inércia de manter o movimento, e a empolgação. Não é menos válido o testemunho do cara playboy que foi pra ver qual era e voltou com a própria identidade abalada pela quebra de paradigmas, do que o do cara que lutou e sonhou, talvez com menos repercurssão, com isso a vida toda. Não importa: o que importa é, primeiro, ver uma geração apática sair às ruas não para gritar GOL! e sim SEM VIOLÊNCIA! O que importa é que uma multidão de brasileiros cantou o hino nacional entusiasticamente e ela não estava no estádio, e sim nas maiores avenidas do país, em metrôs de ônibus e no congresso nacional. E não, não tinha um telão ligado!
O brasileiro, finalmente, ficou de saco cheio! Os governantes perguntam "de quê?", e creio que a resposta mais sincera seria "DE TUDO!". De repente, lembramos que temos voz, e que podemos reclamar, em alto e bom som, que não queremos e não concordamos com nada disso. Não concordamos com bilhões serem gastos na Copa do Mundo enquanto se abafa os problemas sociais. Não queremos que a polícia invada o morro apenas para garantir segurança durante os jogos, e depois tudo volta ao "normal". Não concordamos com o discurso de que o país não tem dinheiro para investir na educação, que manter um sistema de saúde decente é caro demais e somos pobres. Não engolimos mais os discursos vazios de políticos que acham normal darem a si mesmos aumentos exorbitantes, enquanto os professores precisam apanhar e fazer alta carga horária para apenas viverem com dignidade. Não toleramos pagar alto em carros nacionais, e saber que lá fora, aqui pertinho, eles são acessíveis e baratos. Não toleramos uma polícia que, ao invés de proteger, é paga e mandada a ser cega e violenta, não importa a quem, e resolver as coisas a base do tiro e do gás. Não toleramos mais ser um dos maiores países em diversidade de fauna, flora e sistemas, termos a maior rede de água potável do mundo, as melhores praias, grandes pensadores e cientistas, um sistema avançado de eleição, uma constituição bem elaborada e tudo isso não fazer a menor diferença, na prática, para seus cidadãos e habitantes. Não toleramos mais... muita coisa!
Foi a noite do saco cheio. Jovens; crianças; homens e mulheres; geral do morro e a galera da pista; o povo da zona Sul e da zona Leste; os filhinhos-de-papai das públicas e os raladores das particulares (e vice-versa); aposentados; idosos; os politicamente ativos, os apolíticos (porque isso é coisa de quem não tem o que fazer) e os desiludidos (não resolve mesmo); a geração y e todas as outras letras; os adeptos de bibliotecas e saraus, e os adeptos de playstation e facebbok; tinha de tudo. Todos gritando palavras de ordem e entoando o hino nacional com orgulho. E quem não foi, estava em frente a TV, vendo a Copa? Não, querendo ver as imagens de quem foi.
Alguns amigos críticos (e eu tenho vários, ainda bem!) levantaram a questão: tá, e aí? Um bando de cartazes de cartolina vai resolver alguma coisa? Gritar resolve? Claro que não! Apenas isso, não mesmo! Mas não vejo tudo isso como a solução final dos problemas do Brasil. Tem muita coisa pra fazer! Vejo isso como um sintoma, um bom sintoma: não estamos mais apáticos. Colocamos o grito de insatisfação na pauta internacional, e creio ser um bom começo.
Mais do que isso, espero mesmo que seja o começo de uma mudança de postura nacional. Que nasça aqui uma geração que vai, a cada dia, nas pequenas e nas grandes coisas, encarar cidadania como parte importante de sua vida pessoal. Uma geração com mais noção de conjunto, de respeito, de ideal. Uma geração que seja, pelo menos, incomodada! Para onde essa postura vai nos levar? Não sabemos, teremos que pagar para ver. O que importa é o despertar, o levantar de olhos para frente. O que importa é ver uma geração entrar no facebook para mudar a realidade, e não mais para fugir dela!