Jamais pensei que estaria aqui, sentada de frente ao computador sem saber por onde começar. Quase aos trinta, não é a idade que me incomoda. Apesar das piadinhas, não ligo a mínima para a quantidade de velinhas de meu bolo, nunca liguei.
Na verdade, acho envelhecer algo nobre. Sou melhor hoje, e não é apenas um chavão politicamente correto; é verdade. Levei trinta anos para ser quem sou, aprendi muito com a vida e com meus tombos, e não, não voltaria no tempo: não quero fazer as mesmas burradas de novo, tampouco sentir as mesmas dores do crescimento (literais e psicológicas). Dispenso as espinhas, mesmo que tenha saudade do corpão juvenil.
Tudo tem seu preço: somos jovens belas descabeçadas ou ingênuas (ou os dois); depois somos espertas e sábias e não tão belas. Bom, defina bela! Afinal, a pressão social do corpo eternamente jovem é cruel e surreal. Então, poupe-me do blá-blá-blá que faz das academias um bom negócio (e os fabricantes de barrinhas de cereais).
Nada contra uma vida saudável mas... defina saudável!
É saudável não curtir a vida pela neura de quilinhos a mais? É saudável dormir depressiva porque você não entra mais no seu vestido de 15 anos? É saudável a privação excessiva, a baixa auto-estima, o olhar baixo apenas porque você envelheceu e não tem mais vinte e poucos? Não, não é!
Quero muito ser gente, gente de verdade! Gente que envelhece com um sorriso no rosto, e nem sou das mais expansivas e simpáticas das pessoas. O que quero dizer é que quero ser o tipo de gente que tem um brilho nos olhos apesar das rugas. Gente com história pra contar, com sabedoria e amor para doar, gente acolhedora por aquilo que é como gente, e não pelo seu manequim.
Quero ser uma daquelas velhinhas que sorri discreta, aquele sorriso cheio de sabedoria de quem já viveu o suficiente para se importar com coisa tão trivial e vã como o ponteiro da balança. Gente que vira "matrona" com orgulho, que gosta de ter netos, que curte envelhecer por ter construído e vivido uma boa história. Gente que não apenas envelheceu, mas cresceu.
Há um problema sério de valores em nossa sociedade, e faz tempo que sabemos disso. E um dos sintomas é que o corpo escultural sob um molde surreal é mais apreciado socialmente do que mechas brancas, experiência e o ser boa companhia. Estamos, como humanidade, valorizando demais o glacê do bolo, esquecendo do bolo. Pior: esquecendo do aniversariante!
Focamos o trivial, a decoração e deixamos passar o que sustenta, o que é essência. Deixamos passar em branco a vida atrás de ilusões de capa de revista.
Quando foi que acreditamos que a marca do celular importa, ou que alguma marca importa, acima de seu usuário? Quando passamos a tomar por verdade que "o importante é ser feliz" acima das pessoas, acima dos pactos que firmamos, acima de nossas responsabilidades, acima de nossa dignidade? Quando a carcaça passou a valer mais, muito mais, do que o conteúdo?
Ah é... tinha me esquecido. Foi quando nos entronizamos no centro do mundo. Um velho problema, e uma velha distorção da verdade...