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quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A metamorfose, ou Os insetos interiores, ou O Processo - Fernando Anitelli

Não, o texto não é meu. Mas é tão bom, e tão verdadeiro, que fica aí a sugestão de ouvi-lo narrado por este aedo que desponta, nascido no "lado bom da força" da cultura brasileira.



"Notas de um observador:
Existem milhões de insetos almáticos.
Alguns rastejam, outros poucos correm.
A maioria prefere não se mexer.
Grandes e pequenos.
Redondos e triangulares,
de qualquer forma são todos quadrados.
Ovários, oriundos de variadas raízes radicais.
Ramificações da célula rainha.
Desprovidos de asas, não voam nem nadam.
Possuem vida, mas não sabem.
Duvidam do corpo, queimam seus filmes e suas floras.
Para eles, tudo é capaz de ser impossível.
Alimentam-se de nós, nossa paz e ciência.
Regurgitam assuntos e sintomas.
Avoam e bebericam sobre as fezes.
Descansam sobre a carniça, repousam-se no lodo,
lactobacilos vomitados sonhando espermatozóides que não são.
Assim são os insetos interiores.

A futilidade encarrega-se de maestra-los.
São inóspitos, nocivos, poluentes.
Abusam da própria miséria intelectual,
das mazelas vizinhas, do câncer e da raiva alheia.
O veneno se refugia no espelho do armário.
Antes do sono, o beijo de boa noite.
Antes da insônia, a benção.

Arriscam a partilha do tecido que nunca se dissipa.
A família.
São soníferos, chagas sem curas.
Não reproduzem, são inférteis, infiéis, in(f)vertebrados.
Arrancam as cabeças de suas fêmeas,
Cortam os troncos,
Urinam nos rios e nas somas dos desagravos, greves e desapegos.
Esquecem-se de si.
Pontuam-se

A cria que se crie, a dona que se dane.
Os insetos interiores proliferam-se assim:
Na morte e na merda.

Seus sintomas?
Um calor gélido e ansiado na boca do estômago.
A sensação de: o que é mesmo que se passa?
Um certo estado de humilhação conformado o que parece bem vindo e quisto.
É mais fácil aturar a tristeza generalizada
Que romper com as correntes de preguiça e mal dizer.
Silenciam-se no holocausto da subserviência
O organismo não se anima mais.
E assim, animais ou menos assim,
Descompromissados com o próprio rumo.
Desprovidos de caráter e coragem,
Desatentos ao próprio tesouro...caem.
Desacordam todos os dias,
não mensuram suas perdas e imposturas.
Não almejam, não alma, já não mais amor.
Assim são os insetos interiores."

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Pra sempre?

"Jamais compreendi que alguém pudesse saciar-se de um ser. A ânsia apaixonada de aquilatar exatamente todas as riquezas que um novo amor nos traz, de observá-lo transformar-se, vê-lo envelhecer talvez, não condiz com a multiplicidade de conquistas"
Memórias de Adriano - Maguerite Yourcenar


É possível: o amor se renova a cada novo conhecimento do outro, a cada sorriso, a cada lágrima...e se torna essencial!

É possível: até porque não se esgota o conhecimento do outro em alguns anos, nem em muitos. Afinal, a cada dia, somos outro; e a cada dia existirá um outro pra ser conquistado na mesma pessoa.

É possível: porque a cada ferida perdoada e sarada, a cada desafio conquistado fica a vontade de tentar não errar, e de conquistar outros juntos.

É possível...difícil, mas possível. Não se lapida uma jóia da noite para o dia. Mas o joalheiro insiste na vontade de ver a obra pronta.

Como nunca estaremos totalmente prontos...é possível!


"And every time I close my eyes
I thank the Lord that I've got you
And you've got me too
And every time I think of it
I pinch myself 'cause I don't believe it's true
That someone like you loves me too" - Babyface

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Pondo pingos nos is

Está bem, vamos!

Sei que para a minha geração é um tanto desconfortável tomar uma postura. Principalmente porque crescemos aprendendo que o trunfo de nossa era é a pluralidade.

Concordo!

O problema é usar a pluralidade como desculpa para não assumir opinião nenhuma. Usando o diálogo, e um certo discurso barato de "mente aberta e moderna", a geração-informação se esconde atrás de todas as variantes possíveis e não mostra a cara.

Pois bem, vou mostrar a minha.

O perigo da relativização das coisas é que, não enxergando claramente coisa alguma, não se sabe ao certo com qual se identificar. Ficamos então a mercê da defesa mais bem elaborada de argumentos.

Me chamem de radical se quiserem. Mas o mundo era bem mais simples quando se aproximava do preto ou branco.

Calma! CALMA!!! Isso não significa que somos planos, que as relações sociais são planas, que as questões filosóficas e políticas são planas, que as questões morais são planas. Muito menos que concordo com uma etiquetação de pessoas. Não confundam defender uma certeza pessoal com falta de respeito às ideologias contrárias. Pelo contrário! Só posso dialogar e argumentar a partir do momento que sei o bem o que defender.

Não me incomoda ideias contrárias. Me incomoda profundamente a ausência de ideias. Os discursos comprados, as atitudes imitadas, a ingestão de conceitos pacificamente, o "deixa a vida me levar".

Peraí... As regalias sociais que minha geração usufrui foram conquistadas por outra que sabia bem o que queria! Portanto, imitando o exemplo, vou defender, preto no branco, o que quero, certo?

-Não apoiarei nenhuma ideia, nenhum líder, seja político ou religioso, que seja ambíguo. Como assim? Que se diz do povo, mas solapa o povo; que compra esse povo com esmolas, como quem dá um docinho pra criança não perceber que foi enganada, que não tem realmente o que quer nem o que precisa. Que usa o púlpito pra se promover e/ou se enriquecer.

- Não admito, de forma alguma, a distorção e a utilização distorcida do discurso original da pessoa de Jesus, creia-se nele ou não, ou de qualquer outro, para fins inescrupulosos. Não estava na boca de Cristo, por exemplo, a homofobia ou a lavagem de dinheiro, como não estava na boca de Maomé a guerra "santa".
Ps: Não, não concordo com as defesas diversas ao homossexualismo, nem compactuo com a sexualização infantil disfarçada de informação. Mas não mudo meu traçado na rua pra não encontrar com um gay, não lanço pedras nem piadas de mal gosto, e abomino quem assim faz. 
Na verdade não entendo ainda o porquê dos ditos "cristãos" se escandalizarem mais com um casal homossexual do que com um hetero que seja promíscuo, ou com um casamento em frangalhos. Hipocrisia demais esconder a sua distorção aos padrões divinos só porque são mais "aceitáveis" socialmente!

- Não sou a favor do aborto. Sim, é bem possível que a legalização seja apenas a constatação de que ele existe, e continuará existindo fora da lei, talvez até com maiores riscos. Mas o que se torna oficial, regido por leis, é uma declaração estatal de permissão. A partir do momento que a lei permite, não há argumentos contra a prática. Afinal, se não se é contra por princípios morais, que seja legais, pelo menos.

Mas na verdade...essas discussões que estão na pauta das disputas eleitorais são, em essência, a mesmíssima postura a que, linhas acima, afirmei abominar.

Um governo que discute se se deve ou não legalizar o aborto está mascarando o problema de fato: existem meninas que, por n motivos, preferem abortar. Peraí....que n motivos são esses? quais suas causas? O que o governo fará, por exemplo, para combater a prostituição? Heim? Tem algum engravatado tocando NESSE assunto?

E a questão da falta completa de educação de base de qualidade, que poderia formar mão de obra qualificada, o que aumentaria as chances de empregos da população, e de renda por consequência...Tem alguém com um projeto decente que cubra ESSA questão? Tem?? Ou ficaremos discutindo o tamanho do doce, quanto será o salário mínimo, ou seja, o valor do bolsa-família?

O que se diz sobre a impunidade de corruptos? O que o próximo governo fará para combater a perpetuação de "fichas sujas" em Brasília? Quais os projetos para que a economia do Brasil se torne sustentável ecologicamente? O que faremos com os problemas de poluição crescente? Como resolver o trânsito de São Paulo e do país?

E peraí... Cadê os críticos? Onde foram parar os jornalistas polêmicos, que bombardeavam os jornais, os programas de plateia, as revistas com críticas sólidas? Cadê esses caras? O que fizeram deles?

Peraí de novo... cadê os artistas politicamente ativos, cadê as músicas usadas para desmascarar o governo, cadê os romances críticos, os filmes críticos? Cadê a noção crítica da juventude? Sumiu com as cores? Cadê??

Não me interessa! Não serei mais uma "cinza" da sociedade moderna, engolindo todos os discursos, não pondo nenhum à prova, esquecendo do que é importante pra dar um rolê no shopping e assistir Crepúsculo!

Estou aqui, sem máscaras, preto no branco! Se quiser, dê um tapa, fique a vontade. Só não me peça pra me esconder!

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

E a cultura, José?


O moderno passou,

a luz apagou,

o indivíduo sumiu,

a ideologia esfriou,

e agora, José ?

fazer o quê?

se saber é luxo,

livros são velharias,

poemas são caretas,

romances são difíceis,

contos, inexplicáveis?

você que estuda,

que quer ser alguém

você que faz versos,

que ama a cultura,

e agora, José ?


Está sem dinheiro,

está sem discurso,

está sem ideia,

já não pode sonhar,

e pesquisa, pra quê?,

se sua área é inútil,

não enriquece o patrão,

não dá emprego pro jovem,

e nenhum salarião,

não veio a bolsa,

não veio a utopia

e tudo acabou

e tudo fugiu

e tudo mofou,

e agora, José ?


E agora, José ?

Sua doce palavra,

seu instante de febre,

sua educação,

sua biblioteca,

sua formação de ouro,

sua revolução,

sua incoerência,

seu ódio - e agora ?


Com a chave na mão

quer abrir a porta,

não existe porta;

nem aluno quer mais

saber se cultura forma;

Formar o que mesmo?

consciência?!

José, e agora ?


Se você estudasse,

qualquer curso técnico,

se você tivesse

utilidade prática,

se construísse

invenções tecnológicas,

se você não pensasse…

Mas você pensa,

você é duro, José !


Sozinho no escuro

qual um intelectual

sem bolsa,

sem prestígio

sem público,

sem respeito

que te dê voz e vez,

você é culto, José !

José, pra quê ?