“Viva à tua maneira, não perca as estribeiras, saiba do teu valor”- O Teatro Mágico
Ser criança é tão bom, não? Muito do que seremos, ou nos tornamos quando crescemos é prenunciado nas brincadeiras infantis, nas molecagens.
Mas nem tudo. Porque, na verdade, ao contrário do que os naturalistas defendiam, não somos um único ser, programado a partir do meio e de uma força interior, uma tendência. Somos mutáveis e somos muitos. Tudo nos transforma um pouco. E a cada pressão externa escolhemos um de nós para sermos.
Hoje entendo o medo de Peter Pan. Para a maioria das pessoas passa despercebido o fato de que, ao crescermos, acabamos perdendo um pouco de nosso “eu” primordial. Nos adaptamos às exigências vigentes no mundo, àquilo que esperam de nós. Nos adaptamos e jogamos para baixo do tapete características zombadas, esculhambadas, corrigidas por broncas e castigos, ou por experiências próprias - o velho e conhecido paradigma causa-efeito.
Essa transformação pode ser sutil ou brusca. E pode nos dar perdas ou ganhos. Há quem deixe de dançar, ou pintar, ou representar por falta de estímulo ou gozação, mesmo que tivesse potencial. Mas há os que param de mentir, de fazer manha, de “ser mala”, de insinuar... etc. O problema é quando paramos de sorrir para demonstrar maturidade.
Eu fui moleca. Na verdade, sempre fui duas em uma. Com os amigos próximos era uma palhaça. A que contava piadas, a que bolava novas brincadeiras, a que sorria facilmente e falava pelos cotovelos, a que filosofava sempre. Não em situações “oficiais”, vulgo as com presença de autoridades, seja mãe, professor, treinador, tia, etc. Adultos, na época. Nessas situações era séria, muda, obediente, madura. Demais, até.
Fui moleca até alguns anos atrás. Não sou mais. Muitos dos que me conhecem me perguntam por quê. Oras, eu lá sei? Cresci, talvez. E crescendo escolhi uma “eu” para ser sempre. Pena? Talvez... Lembro-me que meu lado criança era alimentado pelos primos mais novos. Crianças, na época. Não são mais.
Mas não é isso. De fato, é a velha mania de se adaptar ao meio. Antes eu andava com os mais novos. Falava a linguagem deles, e fazia de tudo para os divertir. Hoje ando com os mais velhos, falo a linguagem deles, e faço de tudo para ser levada a sério. E me dá uma saudade da moleca que fui...
Que fui? Será? E se ela estiver escondida em algum lugar, num cantinho? Será que é isso que acontece àquelas que viram mãe? Voltam a reviver quem foram? Ou será só um papel a mais a ser encenado? Papel de adulto?
E sabem o que é pior? Creio que eu era muito mais encantadora aos adultos por não fazer parte do mundo deles, por não me enquadrar. Na época em que fui uma moleca grande era rodeada de amigos que eu fazia sorrir. E os contagiava! As pessoas próximas a mim eram divertidas porque andavam comigo. Até os sérios ficavam leves por minha influência!
Mas foi por conta de um sintoma infantil que virei gente grande: o medo. Mas antes do medo, o problema é ter o que perder, fincar raízes.
Quando não as temos, quando não somos daqui, não participamos, não nos importamos com o que vão pensar ou sentir... enquanto somos estranhos nos damos o direito de sermos estranhos sendo nós mesmos. Mas quando se faz parte, quando o que um outro pensa e sente importa, quando temos raízes, aí temos medo de sermos quem somos. E nos adaptamos.
“Conhece-te a ti mesmo”. Provérbio sábio, mas adulto demais! Acha mesmo que, de início, pensamos nisso? Quando somos criança não pensamos em quem somos, mas em quem o outro é. E não pensamos no por que é. A nós basta cada um ser o que se é, e ponto. Ficamos um porre quando crescemos. Porque aprendemos a ser vários, dependendo da situação e do interlocutor. Antes, eu só não era eu mesma aos que não me eram iguais (os adultos). Agora, temo que não seja com ninguém. Ou será que não tenho mais iguais?
Prefiro pensar que, na verdade, sou uma outra. Transformações naturais. E por mudar minha referência de quem é meu igual, mudei quem sou. Na verdade, por precisar me sentir aceita e fazer parte do grupo dos adultos é que “cresço” sempre. Crianças não precisam se forçar a ser infantis para se sentirem sendo crianças. ISSO é coisa de adulto.
Ao contrário de Peter Pan, todos nós crescemos. Paciência!
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