Páginas

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Tô cheganu...

Ministério e missão. Duas coisas distintas, e eu nunca pensei nisso. Ministério é para os de dentro, missão para os de fora. Trabalho é o que paga as contas, profissão é o que abraçamos, carreira se constrói com o tempo, família também.

A vida é complexa...

Inocência nossa achar que vamos facilitar, que estaremos imunes às dores, à vida cotidiana, às crises e apetites clichês. E depois de muito nos pegamos perguntando: e agora, José? Abraço as belezas e prazeres da vida medíocre, sem o sentido pejorativo, e vivo simplesmente, ou mergulho, fundo e de vez, no universo das ideias, dos projetos, das digressões, do aprender constante? Serei mãe, sim, um dia, mas isso basta? E não basta? Ser intelectual nos faz melhores ou apenas mais chatos?

Com certeza nos faz solitários, em certa medida. Mesmo casados, mesmo com filhos, mesmo com amigos. Há certa solidão na inteligência, certo quê de ermitão no aprender contínuo, na visão crítica. Poderá alguém viver a vida cotidiana mesclada às viagens elocubratórias? Posso pensar em Descartes e Antonio Candido enquanto lavo e passo as roupas? Posso atingir o sublime enquanto pago contas?

Preciso crer que sim. Pronto, falei: eu PRECISO! Uma hora na vida paramos de fugir de quem somos. Sim, porque todos passamos pela fase de tentativa de adaptação. Você abre mão um pouco de quem é para não estar só, para ter amigos, para ser capaz de falar de novela e copa do mundo. Vai a churrascos, encontros triviais, passeios em shoppings e finge gostar apenas pela vontade de fazer parte, de não ser tão esquisito. E nessa fase negamos a personalidade faminta de ideias e conceitos, de projetos e revoluções, de sonhos densos que somos. Rejeitamos-na como quem tenta largar a bebedeira costumeira. Como o mineiro tentando fazer o R paulista para parar de ouvir chacotas. Chegamos ao absurdo de comprar pão de queijo escondido, e fingimos adorar pastel de vento.

Mas depois de um tempo, perdemos a paciência e a vida nos ensina que é bobagem querer ser quem não somos. Então, dane-se: não curto novela, não faço ideia quem entrou no Big Brother, sou capaz de deixar o salário numa livraria e horas de vida numa conferência inteligente. Detesto andar a esmo por shoppings, mas adoro fazer o mesmo em museus. Não ligo de lavar e passar minhas roupas, desde que possa desligar o rádio pop e ligar na MPB. Sim, eu curto MPB, não importa que ‘só’ tenha 20 e poucos anos. No momento estou mais para ‘quase trinta’ mesmo! E adoro pão de queijo, cuscuz, doce de leite, polenta, quindim, leite gordo quente com chocolate e uma pitadinha de canela pra esquentar um cadin no frio! E aquele rai de pastel vazio não, não tem graça nenhuma!

Sim, sou a intelectual de fala difícil, leitura difícil, poucas palavras, riso tímido e cara de séria. Sou a garota mineira que gosta de colo, silêncio, violão, carinho, um bom livro e um cadin de tempo livre pra pensar no que leu. Sou a que gosta de prosear, filosofar altas horas da madrugada sobre teologia, filosofia, literatura e música. Nada prática, super densa, adora um mundin seu.

E ainda sou aquela careta que veste o blusão da faculdade com orgulho, apesar de parecer brega, e que gosta de ir lá andar pelos corredores e praças, em meio a uma turminha sonhadora, ouvir balela e causo de professor antigo e tomar um refri na cantina, reclamando do busão, do frio, do professor antigo que não parava de falar... Sou daquelas que sente falta do que mais detestou na vida: acordar cedo pra assistir aulas e aulas e debates e anotações e mais aulas e pesquisas e trabalhos e pilhas e pilhas de livros e cópias de livros. Sinto falta.

Então, aos ‘quase trinta’, a gente desencana e volta a ser o que se é, uma mistura de tudo da vida. Sou mineira enrustida, paulista por opção e correria, dona de casa por efeito colateral de ser independente mulher amante de um paulista do interior, intelectual por precisão e por prazer, leitora ávida e preguiçosa, que espera um frio e uma boa chuva para se enrolar nas cobertas com um livro no colo, por puro pretexto de “não dá pra fazer mais nada” (sei...). É só parar de malhar pra eu engordar aqueles quilinhos de novo, o pior é que não me incomodam tanto mais. Depois de tudo vejo-me voltando pra faculdade fazer licenciatura, lendo artigos de criação de filhos e compra de carros, arranjando tempo para arrumar as unhas e lavar a louça, no mesmo dia.

Tô ficando cada vez mais eu... Bão também, uai!

E as perguntas de outrora, o que fazer da vida, paro de fingir que estão resolvidas, mas não tenho mais a pressa de anos atrás. Agora a gente se permite crescer com o tempo, construir-se. Tendo um trabalho que pague as contas, um ministério que edifique, um relacionamento refrigério-refúgio, pode-se andar, divagar, pensar devagar, ler devagar, sem a pressa desesperada de entregar o livro na biblioteca. Oras, compre-o e leia o tempo que quiser! Mastigue, rumine... Leve tempo! Descubra sua missão de forma sólida, aos pouquinhos, um passin de cada vez, um tirim de’spingarda, pra virar um trem bão, sô, desses de encher a gente de vida e de orgulho!

Estou assim, desacelerando, ao compasso mineiro de esperar a massa crescer e cozinhar em banho maria a forno de lenha algo denso, com “sustânça”! Com o tempo queremos conteúdo, pé no chão e fortaleza. Nada de paixão passageira, emprego passageiro, sonhos rápidos e inconstantes. Algo de trabalho de formiga nos inquieta.

Perto dos trinta começo a pensar em legado, a ser cobrada a ter filhos, e a querer fazer parte de algo maduro, tipo missão da vida toda. E para uma intelectual mineirinha abduzida pela correria e anseios do capital paulista, não se trata de “arranjar um filho”, té porque, coitado do guri já nascer com a responsa de ser a solução para os problemas de identidade da mãe: não, fala sério, meu! Pé no freio, mas bora que atrás vem gente... Prefiro um cadin de vez por vez!


Com o tempo a gente assume o que é, e eu sou mais mineira que paulista. Vou devagar, mas com pé na serra. Devagar, mas querendo praia. Legado não se constrói a ritmo de metrô, mas nem de mula. E a vida está mesmo mais parecida com as estradas de Minas do que com o Rodoanel: a gente desvia de buracos, cai em uns, pega chuva, escorrega no barro, mas chega lá... Uma hora, a gente chega! 

Põe água no feijão e limonada na geladeira, gente, que to cheganu!!

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Crônica de uma doce insônia

Pesadamente, depois de algum esforço, abri os olhos. Ainda nevoados de sono, precisei acostumar-me com a escuridão. Minha pele formigava, e o contato dela com a coberta morna era enebriante. Ainda ébria de mim, de nós, com os reflexos um poucos lentos, confesso que assustei quando percebi: eu estava viva!
E no espanto da conclusão olhei para minhas próprias mãos, movimentei os dedos embasbacada, como se fosse a primeira vez que o fazia. Respirei fundo: havia ar em meus pulmões! Nossa.... E meu coração batia cadenciadamente. O mais impressionante era o silêncio interior. O mais impressionante era a quietude. O mais impressionante era a paz!

Onde estava aquele aperto no peito, a angústia que vibrava em meus peito e ressonava em todos os poros como sinfonia cruel? Onde estava o medo dilacerador e paralisante que tantas e muitas vezes me tirou a fome e o sorriso? Para onde foi a certeza trucidante da falta de amor, da solidão, da incapacidade de gerar ternura? E para onde escorreram as lágrimas constantes, silenciosas e frias que desciam em meu rosto e faziam-me acordar mais morta-viva, a cada dia?

Acordei sonolenta, morna e livre. Não que tenha sido a primeira vez que estivesse livre, mas de vez em quando sinto a liberdade pulsando como se a tivesse acabado de conhecer. Eu estava viva, e como era grata por estar! Como era grata por poder abrir os olhos ali, e sentir a vida pulsar em meu corpo cansado e ébrio, morno e plasmo fluido de fluidos e memórias vivas. Denso de cores, de sensações e de paz. Denso de plenitude!

Estendi a mão para tocar. Sim, às vezes precisamos tocar. Não que seja falta de fé, mas é a necessidade de convencer o próprio cérebro de que o que se vê a centímetros do nariz não é miragem. E mesmo que passemos oras deslizando os dedos, alisando a concretização de sonhos, parece não ser o suficiente. Não é o suficiente para abafar o coração acelerado e represar as lágrimas, de alegria, que descem sem permissão por nosso sorriso. Queremos agradecer a Deus, ao mundo, ao universo, pela dádiva de estarmos vivos ali, experimentando algo pequeno, mas fantástico!

Não importa o objeto que nos transpões para tal momento de contemplação da vida, e já tive vários deles: um filhotinho de cão, belo, fofo e quente; uma flor pequena e aveludada; o mar; o sorriso do amigo querido; o presente de aniversário tão sonhado; o abraço de quem se tem saudade; o mergulhar nos olhos de alguém especial; o carinho de pessoas exemplares e seus conselhos sábios; a companhia de um sábio; o colo de mãe; o colo de pai; o abraço sincero e carinhoso dos irmãos, dos primos, dos amigos-irmãos; o beijo na grande paixão; a intimidade do grande amor; a conquista de tesouros pessoais; uma boa música; um bom livro; um bom doce; uma comida saborosa; chocolate quente no inverno e banho de cachoeira no verão. Seja o que for, sentimos o coração acelerar, e nos lembramos que, surpreendentemente, e apesar de tudo, estamos vivos, o suficiente para desfrutarmos daquilo.


Um dia abri os olhos e deparei-me com a verdade de que viver pode ser pesaroso, doloroso, frustrante até. Aprendi com os anos que sonhos são esmagados às vezes, medos são sufocantes, nosso corpo adoece. Às vezes nos sentimos impotentes, pequenos, inúteis. Outras quebrados, imprestáveis. Queremos ser mais do que podemos, ou precisamos, muitas e muitas vezes. Deixamos de ser tudo o que somos tantas vezes, apenas por não enxergarmos valor nisso. Mas às vezes a vida mostra seu brilho. Às vezes encontro-me com o divino das coisas, e com a presença divina do Divino.

E às vezes, surpreendentemente percebo que sou viva, e que ela, a vida, pode ser sublime. Às vezes sou capaz de desfrutar de sua beleza em alumbramentos. E são esses os momentos que, de todo coração, gostaria que fossem absolutamente eternos. Para eles, para tê-los, acordo todos os dias, na expectativa de tocá-los novamente!