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segunda-feira, 2 de junho de 2014

Crônica de uma doce insônia

Pesadamente, depois de algum esforço, abri os olhos. Ainda nevoados de sono, precisei acostumar-me com a escuridão. Minha pele formigava, e o contato dela com a coberta morna era enebriante. Ainda ébria de mim, de nós, com os reflexos um poucos lentos, confesso que assustei quando percebi: eu estava viva!
E no espanto da conclusão olhei para minhas próprias mãos, movimentei os dedos embasbacada, como se fosse a primeira vez que o fazia. Respirei fundo: havia ar em meus pulmões! Nossa.... E meu coração batia cadenciadamente. O mais impressionante era o silêncio interior. O mais impressionante era a quietude. O mais impressionante era a paz!

Onde estava aquele aperto no peito, a angústia que vibrava em meus peito e ressonava em todos os poros como sinfonia cruel? Onde estava o medo dilacerador e paralisante que tantas e muitas vezes me tirou a fome e o sorriso? Para onde foi a certeza trucidante da falta de amor, da solidão, da incapacidade de gerar ternura? E para onde escorreram as lágrimas constantes, silenciosas e frias que desciam em meu rosto e faziam-me acordar mais morta-viva, a cada dia?

Acordei sonolenta, morna e livre. Não que tenha sido a primeira vez que estivesse livre, mas de vez em quando sinto a liberdade pulsando como se a tivesse acabado de conhecer. Eu estava viva, e como era grata por estar! Como era grata por poder abrir os olhos ali, e sentir a vida pulsar em meu corpo cansado e ébrio, morno e plasmo fluido de fluidos e memórias vivas. Denso de cores, de sensações e de paz. Denso de plenitude!

Estendi a mão para tocar. Sim, às vezes precisamos tocar. Não que seja falta de fé, mas é a necessidade de convencer o próprio cérebro de que o que se vê a centímetros do nariz não é miragem. E mesmo que passemos oras deslizando os dedos, alisando a concretização de sonhos, parece não ser o suficiente. Não é o suficiente para abafar o coração acelerado e represar as lágrimas, de alegria, que descem sem permissão por nosso sorriso. Queremos agradecer a Deus, ao mundo, ao universo, pela dádiva de estarmos vivos ali, experimentando algo pequeno, mas fantástico!

Não importa o objeto que nos transpões para tal momento de contemplação da vida, e já tive vários deles: um filhotinho de cão, belo, fofo e quente; uma flor pequena e aveludada; o mar; o sorriso do amigo querido; o presente de aniversário tão sonhado; o abraço de quem se tem saudade; o mergulhar nos olhos de alguém especial; o carinho de pessoas exemplares e seus conselhos sábios; a companhia de um sábio; o colo de mãe; o colo de pai; o abraço sincero e carinhoso dos irmãos, dos primos, dos amigos-irmãos; o beijo na grande paixão; a intimidade do grande amor; a conquista de tesouros pessoais; uma boa música; um bom livro; um bom doce; uma comida saborosa; chocolate quente no inverno e banho de cachoeira no verão. Seja o que for, sentimos o coração acelerar, e nos lembramos que, surpreendentemente, e apesar de tudo, estamos vivos, o suficiente para desfrutarmos daquilo.


Um dia abri os olhos e deparei-me com a verdade de que viver pode ser pesaroso, doloroso, frustrante até. Aprendi com os anos que sonhos são esmagados às vezes, medos são sufocantes, nosso corpo adoece. Às vezes nos sentimos impotentes, pequenos, inúteis. Outras quebrados, imprestáveis. Queremos ser mais do que podemos, ou precisamos, muitas e muitas vezes. Deixamos de ser tudo o que somos tantas vezes, apenas por não enxergarmos valor nisso. Mas às vezes a vida mostra seu brilho. Às vezes encontro-me com o divino das coisas, e com a presença divina do Divino.

E às vezes, surpreendentemente percebo que sou viva, e que ela, a vida, pode ser sublime. Às vezes sou capaz de desfrutar de sua beleza em alumbramentos. E são esses os momentos que, de todo coração, gostaria que fossem absolutamente eternos. Para eles, para tê-los, acordo todos os dias, na expectativa de tocá-los novamente!

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