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sábado, 7 de maio de 2011

O marimbondo

Estava à toa na varanda. Aquele imenso plano vermelho, à antiga, que circundava a frente inteira da casa. Todo o meu mundo particular. Estava à toa não, porque minhas brincadeiras eram muito sérias. E tinham que ser levadas a sério, poxa!
E pensar que ele se tornou um traidor - pensava minha mente infantil - Eu sempre quis ele, mas pra ser meu amigo, não pra jogar monstros em mim! E veio a lembrança da última traquinagem. Tudo bem que contei pro papai que tinha sido ele quem quebrou o vaso da mamãe com a bola. Mas não precisava pegar aquele bicho nojento e esconder debaixo do meu travesseirinho...
“Meu travisserim cherosim agora tá todo lá, tristim, pruquê num quero ficá nem um cadim per’dele ...credo!” Contava minhas tragédias ao meu melhor amigo, o Pogijo. Pogijo era um urso de pelúcia que escutava com atenção o que eu dizia, e sempre ficava a meu favor nas questões e brigas com meu irmão mais novo.
Naquela cesta, no interior das minhas Minas Gerais, e na época nem sabia o significado de ser mineira, a calmaria impregnava nas roupas, na pele, nas pálpebras. E o mundo para mim era grande, grande, mas tão mineiro e tão cheio de detalhes! Assim, qualquer bichinho era brinquedo, qualquer folhinha com dois gravetos uma casinha, qualquer corre-corre se tornava uma aventura, e eu conquistava o mundo.
Mas meu aliado, que pedi de presente de Natal para meus pais, para minhas batalhas imaginárias, tinha crescido e se tornado no maior vilão de meu videogame real, aqueles do fim da fita, na época em que se colocava fita no videogame. Meu irmão não entendia meu mundo calmim e minêro, poético e transcendental. Ele era travesso demais para viver de fantasia. E sua diversão era me aporrinhar!
Aprendeu que eu era medrosa, e tinha nojo de quase tudo. Então, fez da sua brincadeira preferida o pegar insetos barulhentos ou pegajosos e correr atrás de mim, ameaçando jogá-los, colocá-los em minhas roupas e brinquedos. Virou seu trunfo de chantagens. “Ói que eu ponh’uma barata na sua lanchêra, heim!” Eu corria me esconder no colo do Pogijo, e Pogijo sempre me dava razão de braveza!
Àquele tempo já tinha aprendido algumas orações na igreja. E naquele começo de tarde, sentada na varanda com Pogijo por perto, me lembrei da história do domingo anterior. Um certo moço tinha que guerrear com um punhado de gente lá, mas a turma dele era bem menor que dos inimigos. Aí, ele pediu pra papai do céu ajudar ele com os super vilões, e foi quando aconteceu o acontecido: os ômi acordarum ‘sustado, ficarum confuso, sem tendê nada, começarum brigá entre’les e fugiru achano que tinh’um montão digenti vinu lutá co’eles. Na verdade era papai do céu tomando as “providência”, que a gente nunca sabe donde veio, mas acaba nos ajudando.
“Gijo, será que papai do céu fazisso co’a gente? E se a gente, anssim, de mansim, pedi pr’ele dá providência tamém? E se ele fizer o Tesu pará de porrinhar?” E, desde aquela época já era atrevida, me atrevi a falar com o Todo Poderoso, importuná-lo com minhas primeiras preocupações.
Esquecida do ocorrido, porque era fácil me entreter com novas brincadeiras, me deixei ficar no canto da varanda com meus mundos imaginários. Foi quando vi meu irmão se aproximar. Típico: nas pontas dos dedos do pés, querendo não fazer barulho, imaginado que eu não estava vendo, com cara de quem vai aprontar alguma, o sorriso maldoso no rosto gordinho e vermelho de tanto correr no sol. Fiquei ali quietinha e pensava “E as providência?”. Foi quando ouvi o grito.
Olhei para trás e vi meu irmão aos berros, saculejando a mão direita, chorava, chorava, chamando o pai. “Ai, ai...ai, ai....ôoo pai, tá dueno!” Meu pai, que anos mais tarde descobri ser o mentor das aprontações animalescas de meu irmão, porque “era bunitim” me ver correndo pra ele, veio em socorro do caçula. Estava com a mão inchada, vermelha e dolorida.
Meu irmão mais novo planejava me irritar com o primeiro bicho que encontrasse na varanda. Mas em sua inocência, quis pegar rápido um marimbondo que, tranquilo, pousou por ali e tomava sol. Não deu outra: naquele dia descobriu ser alérgico a marimbondos.
Eu também aprendi lições importantes. Duas, para ser exata, uma boa e uma ruim. Guardei em meu coração que não se pode confiar muito nos meninos. E que papai do céu manda “providência” de verdade, até pras coisas sem importância, muito nossas. Papai do céu resolvia até um problema piquininim, se a gente pedisse.

2 comentários:

  1. Ô fia, num sabia que os aprontos di seu irmão cabô pela providência de Deus.
    Te amo.
    Papai.

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  2. Nossa Elisa vc encanta mesmo com sua literatura serei leitora dos seus livros... eles deverão existir, vc não pode nos privar de ter em mãos coisas tão lindas, tão bem escritas.. te amo sou sua fã..

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