Há dias que acordamos e pensamos: de onde tirei essa ideia? E é nesse dias que você tem a chance de desistir. Mas desistir do quê?
Por que tornar-se um profissional de ponta, um policial federal, por exemplo, que se preze não é da noite para o dia. E não está em jogo apenas estudar pra caramba e treinar pra caramba. Pelo contrário, está em formação um caráter.
E dói. Tudo dói. Perder horas preciosas de sono dói. Estudar quando se quer dormir, dói. Treinar dói. Passar de seus limites dói. Mas não é o pior.
O desafio mesmo está em sair de sua zona de conforto... todos os dias. Decidir se submeter, de novo, a um processo dolorido dá preguiça de sair da cama, dá preguiça de abrir os olhos, dá preguiça de existir..
O vencer o confortável é o mais difícil. Não se permitir "descansar", não se permitir "estar carente", não se permitir.
Meu Deus, que absurdo! Sim, e exatamente por ser um "absurdo" é que existem tão poucos.
E vencer o emocional?
Você treina, treina, treina, estuda, estuda, estuda... aí, um certo dia vai pra casa confiante - poxa, treinei bem, estou indo bem! - até que tenta fazer uma barra e um simulado. Quando percebe que, na verdade, mal começou; há um looooongo caminho pela frente. São os dias que dá vontade de chutar o balde e dizer "Ora essa, vou deixar essa história e ser feliz!". Aí é que está: alguém que tem essa coisa inexplicável dentro de si, no sangue, que faz parte de sua identidade, em segundos vai chegar à conclusão que jamais será feliz se não tentar. E pra tentar você treina de novo, e de novo, e de novo, e de novo, e de novo...
Dolorida, cansada, querendo que entre ar pelos poros, trêmula da musculatura fatigada, passa por sua cabeça - sempre - o filme: as pessoas que te conhecem bem dizendo "magina, ela nem gosta de exercício...", "fraquinha, ela sempre desistiu fácil"; imagens de todos os treinos da sua vida, quando você era a última da turma do triatlon, a garota que chegou em último na competição de natação, a atacante de futsal que engordou depois de quebrar o nariz, etc, etc.Em contrapartida passam outras imagens também: a da nerd que estudou horas e horas por dia, entre crises de choro e noites mal dormidas, tudo por uma vaga na maior instituição de ensino superior do país.
Vitórias e derrotas. Físicas, emocionais, psicológicas, espirituais. Todas estão ali, na sua mente, palpitando e convergindo em apenas uma braçada a mais, uma série a mais, uma página estudada a mais, uma hora de sono a menos. Todos os dias.
Agora entendo. Agora tudo faz sentido. Não, senhoras e senhores. Os policiais, os militares, os bombeiros, os atletas, eles não treinaram, estudaram, abriram mão de tempo, de abraços e de conforto pela conta corrente que possuem. Provável que foi, sim, a motivação inicial. Mas não se sobrevive ao processo pela motivação inicial. Sobrevive-se ao processo pelo processo. Porque um dia fica claro que o tornar-se é o que dá sentido às coisas. É a oportunidade de se reinventar e de vencer todos os discursos, todos os limites impostos, todas as expectativas, todos os limites tão seus, principalmente aqueles que só você conhece. É parar de lamber as próprias feridas e decidir tratá-las, enfrentar os próprios monstros, as próprias dores, vencer a própria história. Os resultados são apenas resultados.
E isso acontece em segundos: quando o corpo cansado pede pra você parar e você não para; quando sua mente cansada pede pra você parar e você não para; quando a sociedade capitalista do conforto pede pra você parar e você não para; quando seu senso de proteção, sua vontade de manter a própria imagem, quando seus limites pedem pra você parar... e você não para. Nesses segundos eternos você não pensa em quanto vai ganhar se conquistar o objetivo; você só pensa em provar a todas as vozes que martelam em sua cabeça, a todas as imagens insistentes, a todos os olhares guardados, a todas as marcas que construiu ao longo da vida, que você é capaz, sim, de fazer diferente, de acertar dessa vez, de ser outro, de começar de novo, e de novo, e de novo, e de novo.
Tornar-se digno e apto a uma farda não é, apenas, ganhar muito e ter a tão sonhada estabilidade. É se reinventar todos os dias, e tentar de novo, e de novo, e de novo, e de novo... e de novo.

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