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domingo, 21 de outubro de 2012

Momento apórico

Deus sempre me leva a momentos apóricos. E quando o assunto sou eu mesma, a aporia vira catarse.

Catarse, para mim, é quando desistimos de pensar, de sentir, de entender, de controlar, de prever, de precaver, de nos proteger. É quando abrimos mão, admitimos a dor, a dúvida, o medo, o orgulho, a ansiedade, a mágoa, a expectativa ou qualquer que seja a barreira que nos impede de deixar Deus ser Deus. É quando eu assumo, depois de lutar, que o soberano é Ele, e que me debatendo só conseguirei me ferir, e não farei as coisas acontecerem do meu jeito. É quando, estafados após a tempestade, assumimos que estamos perdidos na calmaria, sem saber para onde remar. Então deixamos que os ventos nos leve, crendo que quem sopra é o próprio Deus. 

Isso, claro, até meus instinto me forçarem a brigar de novo! Até que me canse de esperar, de novo! Então gladiarei de novo com as ondas tentando me afirmar sobre elas. As vezes venço; outras me perco na calmaria.



Ultimamente ando tendo momentos apóricos...

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Leituras (arrepios e nós na garganta) de um Best Seller


Terminei a leitura do Best Seler "Fifty Shades of Grey" - o "Cinquenta tons de cinza", de E L James, e gostaria de compartilhar com vocês alguns nuances, arrepios e sabores colhidos.

Em geral, é uma obra de leitura prazerosa (não pude perder a oportunidade do trocadilho), dessas que você engole o texto numa tarde, por impulso avassalador (desculpem-me o linguajar, é influência do clima).

Falando sério, ficou para mim 3 experiências numa só. Pra não virar uma orgia intelectual, vamos uma de cada vez:

- A literatura

Se tratando de texto, apesar de eu ter lido a tradução e não o original (sim, faz diferença), posso dizer que é um texto bem escrito. A construção narrativa prende a leitura logo do começo. Os flashes de consciência, quando sabemos o que a protagonista pensa, soltos nas linhas do texto colaboram para que o leitor mergulhe na proposta de se colocar no lugar de Anastasia e ver o mundo a partir de seus olhos. Por outro lado, é instigante também porque qualquer mulher não tão ingênua sente raiva da garota, depois pena. Nós, leitoras, nos pegamos pensando "Ah, fala sério, até eu entendi essa!" ou "Você não vai cair nessa, vai?" desde o início das insinuações e entrelinhas de Grey. As cenas picantes são escritas belamente, e fica claro que é um viés feminino: a expectativa montada é obra do olhar feminino da sexualidade (não que essa crítica seja novidade, isso já foi publicado na revista Época, e já comentei dela aqui; apenas reforço o fato de que também senti o mesmo), onde a mitificação e a fantasia, a pré-visualização da experiência a faz maior do que realmente é (um privilégio feminino, diga-se de passagem), e a autora explora isso. Quanto ao enredo e as camadas de leitura, não é, de fato, apenas um livro pornográfico; também. Mas percebo que não é a pornografia pura e simples que faz o leitor virar a página; acima de tudo são os temas e as questões levantadas que intrigam.

- Os temas
No fim, acabo por entender o motivo do tema que está na superfície do livro, e não é apenas porque pornografia vende; também, mas vai além. O sexo já foi tabu, já foi liberado ao extremo e agora entra em nova fase de ideologização, creio eu. Houve o tempo em que a sexualidade era reprimida ao ponto de ser assim inclusive no único ambiente em que era permitido moralmente pela sociedade - no casamento. Depois foi usado como protesto, como marca de uma geração que não reivindicava apenas a liberdade sexual, mas o traço ficou: sexo, drogas e rock 'n roll. Com a conscientização crescente, precoce e imatura às vezes, dos jovens acerca do tema, é possível vender um livro como "Cinquenta tons de cinza" nas prateleiras de destaque das maiores livrarias do país sem chocar ninguém. E mais: é possível andar com ele por baixo do braço e lê-lo no terminal de ônibus circular sem sofrer repreensões ou olhares atravessados (eu fiz o teste!). Hoje, a sexualidade não é tabu: é uma escolha. Isso tem o lado bom e o ruim, mas não é a questão aqui. O importante é entender que falar de sexo hoje implica muito mais do que falar de sacanagem. Envolve questões do tipo: o papel da mulher; o papel do masculino; as bases dos relacionamentos; os juízos de valor; a noção social de certo e errado; a noção social do bem e do mal. E é aqui que quero chegar, pois creio que é exatamente este o grande ganho da obra, que está descrito, de cara, no título: cinza. O fato de que num mundo humano, complexo, onde não sabemos a história por completo, nem todas as facetas de uma pessoa, está cada vez mais difícil taxar alguém de preto (das trevas, sombrio, vilão, imprestável, horroroso, etc) ou branco (bonzinho, acima de qualquer suspeita, perfeito, moral, etc). Somos cinza. A sociedade está cada vez mais cinza. E essa tomada de consciência pode ser boa ou ruim, o que me leva ao motivo principal porque indico a leitura do livro.

- Um mundo cinza
Quanto ao livro, o grande personagem, o de maior profundidade e que me fascinou desde as primeiras linhas (não o mesmo fascínio da protagonista, vamos deixar claro!), foi Christian Grey. A escolha do nome é sutil e proposital, e podemos perder esse detalhe na tradução: o título originalmente é "50 tons de Grey", ou seja, cinquenta tons do personagem. No entanto, a palavra "grey" é também a cor "cinza" em inglês. Com certeza E L James sabia o que fazia na escolha do título e do nome do bonitão. O personagem de muitas facetas, possuidor de 50 tons de cores morais e de humor, levanta a questão da complexidade humana. Alguém aparentemente perfeito nos padrões convencionais (rico, bonito, boa pinta, culto, etc) pode ser um monstro, cuja monstruosidade nasce de uma humanidade profunda, e por isso mesmo, fascinar? Somos capazes de entender ou julgar a complexidade humana? Não, não somos. Então onde ficam os conceitos, preto no branco, de certo e errado? Indo mais longe, cabe, num mundo cinza, um discurso claro, preto-e-branco?

Vou dar um salto, tentem me acompanhar:

Como fazer com que, num mundo complexo, onde a consciência da fraqueza humana causa empatia, compaixão e tolerância (é o que espero) o discurso bíblico preto-e-branco tenha sentido? O evangelho, afinal, tem sentido?

"Elisa do céu, como chegou aí?"

Simples: ao final do livro, pasmem, não senti nem raiva ou nojo de Grey, tampouco raiva ou julgamento de Ana. No fim, minha conclusão foi: tá, eu entendo. Consigo me ver uma Anastacia e sim (não me matem ainda) consigo entender o funcionamento psicológico de Grey. No fim, para mim, ficou a dor de saber que é mais complexo do que parece, e que julgá-los não é a resposta, apesar de ser a postura comum (pensando hipoteticamente na existência de pessoas assim). Claro que não concordo com nada. Pelo contrário, deixo claro, acho doentio e perigoso: Grey é sedutor e doente psicologicamente pelas marcas que tem; Ana é ingênua e pode se dar muito mal por isso. Mas é um quadro possível.

A pergunta final de uma crente que adora literatura é: qual o papel do evangelho num mundo cinza? Num tempo em que, graças a Deus, não há mais espaço para discursos autoritários, prepotentes e segregadores, como mostrar o conceito de graça salvadora, deixando claro que sabemos que vivemos num mundo, e somos, de seres cinzas- errantes, complexos, dignos de compaixão e carentes? E se é assim, porque o discurso "quadrado" acusador, presente na maioria dos púlpitos, lota os templos? Porque o senso comum, ao se falar do cristianismo, ainda é "pecados capitais", "culpa", "expurgação" "céu vs inferno", "anjos vs demônio", o que faz a mensagem da cruz parecer um mito, um conto da carochinha de gente atrasada e de mente pequena?

A falta dessa conscientização (a da complexidade humana, a da graça salvadora, e o não "enxergar a própria trave") tem feito a igreja cristã perder espaço, voz, e eficácia; a presença dessa conscientização tem produzido bons livros como a trilogia de E L James, as "Crõnicas de Gelo e Fogo", entre outros.

Fica o aviso: se não enxergamos (por "nós" digo todos aqueles que abraçam o cristianismo, independente da linha) de vez o cinza e não formos capazes de entendê-lo para, assim, sermos capazes de nos comunicar com ele, estaremos fadados a nos tornar um discurso empoeirado, livro velho sem voz e sem saída em sebos.

Imaginar o evangelho da cruz se transformando nisso é que, sim, me dá nó na garganta e frio na espinha!

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Mulher 3.0

"A mulher de 30 anos" de Balzac é um clássico que ainda não li, e pretendo fazê-lo antes dos 30. Como estou na fase de preparação, prestes a completar 3 pra 30 (número interesante...), ando lendo algumas coisas, e concordo com a maioria.

Sinto-me exatamente assim: no meio. Por um lado minha vida ainda tem gosto de fim da adolescência, eu não me vejo uma mulher madura. Por outro, começa a cair a ficha de que não sou tão nova mais: algumas crianças que peguei no colo já são adolescentes. E, no meu caso, piora porque algumas coisas eu fiz mais tarde do que a maioria: entrei para a faculdade tarde, comecei a namorar sério tarde. Então, agora, beirando os 30, estou terminando a primeira graduação, quando a maioria das mulheres da mesma idade está na pós, e estou noiva pela primeira vez, quando a maioria das mulheres de mesma idade está se divorciando pela primeira vez. Sim, sou um pouco devagar.

Isso porque decidi ser criança. Joguei bola na rua até os 14 anos; usei salto pela primeira vez só com 18 e ainda jogo videogame. O primeiro beijo oficial veio com 21, isso não contando os selinhos infantis. Meu primeiro emprego foi aos 22 e parei de boiar nas piadas maliciosas a partir dos 24.

Resumindo: chegar aos 30 foi fácil, e rápido, assustadoramente. E é aos 30 que começarei a ter vida de adulto, com direito a casa, carreira, pós, carro, marido, contas, e neura por academia (já a sinto antecipadamente).

Por outro lado, tenho alguns sintomas dos 30 anos: estou segura, em praticamente tudo. Já passei da fase de me perguntar se sou bonita, se sou inteligente ou se alguém vai gostar de mim; já passei da fase de não saber o que fazer, que conselho ouvir. E faz tempo que passei da fase da necessidade de autoafirmação. Neste ponto os cronistas estão certos: assumo tudo. O que penso, o que sinto, o que quero; sem rodeios, sem joguinhos, sem doce. Não fiz plástica, e sim, ao contrário das de 20, nunca fiquei. Demorei para entrar em relacionamentos, mas quando o fiz, entrei de vez. Adoro flores e minha cadela, mas não tenho as primeiras por falta de tempo para cultivá-las; adoro rosas! E já estou pensando o que fazer antes de fazer trinta: uma tatuagem? Comprar uma moto? Uma viagem do tipo mochilão ou acampar ao pé de uma cachoeira erma?
Tudo isso atraí porque são coisas que minha versão 20 sempre quis fazer mas não era madura o suficiente. Falo de sexo sem o pudor exagerado das "mocinhas", mas sem a baixeza das "rodadas". Filosofo sem a fé dos jovens, mas sem o ceticismo dos velhos. Faço planos. Me permito sonhar, e acordo cedo para trabalhar.

É bom ter quase trinta. E tenho certeza que ter 30 será melhor ainda!

http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,,EPT670368-2813,00.html