Chovia. O silêncio do apartamento vazio aumentava, como em ecos, o som tilintante das gotas batendo no vidro da janela. Era cedo, mas não ia trabalhar. Para alguns, chover no feriado é um baita azar. Mas para mim, encolhida debaixo dos edredons, era uma ótima oportunidade para não fazer nada.
Mentira: é impossível não fazer nada. No mínimo se pensa. E com gosto de preguiça na boca, com a moleza de quem pode se permitir não se mexer, me deixei ficar ali. De olhos fechados, ouvia minha respiração, e um tum-tum constante e sereno. Profundo...
O vento frio roçava em minhas costas descobertas, disputando a atenção de minha pele com o tecido. Ora um vencia, ora outro. A brisa gelava a nuca, que pedia um carinho morno. Nada.
Levantei, fechei as janelas, deitei-me de novo. Chuva, gotas, frio... a coberta me abraçava e me dopava. Ia e voltava lentamente ao mundo dos sonhos, e das lembranças. Por vezes eles se misturavam. Abri os olhos, mas foi como se não o fizesse. Porque o datashow de minha massa cinzenta havia sido ligado, e com ele, todo o resto. Uma corrente mnemônica trazia a meus olhos imagens, sensações e perguntas.
Assisti, inerte, ao meu fim de semana, aos meus últimos feriados, a todas as pausas vividas. Esse espaço oco na trajetória do cotidiano que existe para nos lembrar que a vida é mais que trabalho, tarefas e horários apertados. É também sorrisos, presenças, realizações, descobertas, conversas sinceras, boas companhias. É também de conquistas, de ápices. Momentos.
Chovia. O silêncio do apartamento vazio aumentava, como em ecos, os gritos abafados de um peito em crise. O som tamborilante de meu coração, de meus pensamentos, da falta que faz uma presença que preenche. Era meio-dia, precisa almoçar, e precisava fazer aquele dia um pouco mais útil.
Me esquecera de comer. Depois de muito adiar, enfreitei a chuva; desci as escadas, liguei um carro que custou a pegar. Achei um supermercado que ficasse aberto no feriado, escolhi os ingredientes torcendo para caberem dentro do orçamento planejado.
A ausência de algo vital dá seus sinais, mesmo que tentemos fingir que não sentimos seus sintomas, mesmo que racionalizemos não preciso dele sempre... Comecei a suar frio, era a pressão caindo por falta de energia no organismo.
Enquanto colocava as compras no carro, me lembrei: estou sem gás! Isso acontece também, quando se sabe o que se precisa ter, se sabe o que se quer ter, se cria uma estratégia para se ter, mas se percebe que ainda não se tem um meio, um instrumento, uma fórmula que faça acontecer.
Voltei ao mercado, comprei um pacote de bolacha pra espantar a fome. Paliativos... A chuva parara, mas a sensação molhada do ar não passou. Dirigi até o posto de gás mais próximo, implorei que fosse entregue um botijão em minha casa no fim da tarde de um feriado. O senhor, com misericórdia de meus olhos aflitos, famintos e ansiosos, foi generoso: mandou entregar.
Agora, sentada, saboreando a sobremesa, farta com meu cardápio favorito, me lembrei de uma verdade crucial, experimentada tantas vezes, e invocada outras tantas para aplacar a falta de sossego: quanto mais difícil, quanto mais tempo e energia são empregados para se conquistar algo, mais gostoso fica. Comi o melhor estrogonofe da minha vida!