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terça-feira, 15 de novembro de 2011

A saga de um estrogonofe

Chovia. O silêncio do apartamento vazio aumentava, como em ecos, o som tilintante das gotas batendo no vidro da janela. Era cedo, mas não ia trabalhar. Para alguns, chover no feriado é um baita azar. Mas para mim, encolhida debaixo dos edredons, era uma ótima oportunidade para não fazer nada.

Mentira: é impossível não fazer nada. No mínimo se pensa. E com gosto de preguiça na boca, com a moleza de quem pode se permitir não se mexer, me deixei ficar ali. De olhos fechados, ouvia minha respiração, e um tum-tum constante e sereno. Profundo...

O vento frio roçava em minhas costas descobertas, disputando a atenção de minha pele com o tecido. Ora um vencia, ora outro. A brisa gelava a nuca, que pedia um carinho morno. Nada.

Levantei, fechei as janelas, deitei-me de novo. Chuva, gotas, frio... a coberta me abraçava e me dopava. Ia e voltava lentamente ao mundo dos sonhos, e das lembranças. Por vezes eles se misturavam. Abri os olhos, mas foi como se não o fizesse. Porque o datashow de minha massa cinzenta havia sido ligado, e com ele, todo o resto. Uma corrente mnemônica trazia a meus olhos imagens, sensações e perguntas.

Assisti, inerte, ao meu fim de semana, aos meus últimos feriados, a todas as pausas vividas. Esse espaço oco na trajetória do cotidiano que existe para nos lembrar que a vida é mais que trabalho, tarefas e horários apertados. É também sorrisos, presenças, realizações, descobertas, conversas sinceras, boas companhias. É também de conquistas, de ápices. Momentos.

Chovia. O silêncio do apartamento vazio aumentava, como em ecos, os gritos abafados de um peito em crise. O som tamborilante de meu coração, de meus pensamentos, da falta que faz uma presença que preenche. Era meio-dia, precisa almoçar, e precisava fazer aquele dia um pouco mais útil.

Me esquecera de comer. Depois de muito adiar, enfreitei a chuva; desci as escadas, liguei um carro que custou a pegar. Achei um supermercado que ficasse aberto no feriado, escolhi os ingredientes torcendo para caberem dentro do orçamento planejado.

A ausência de algo vital dá seus sinais, mesmo que tentemos fingir que não sentimos seus sintomas, mesmo que racionalizemos não preciso dele sempre... Comecei a suar frio, era a pressão caindo por falta de energia no organismo.

Enquanto colocava as compras no carro, me lembrei: estou sem gás! Isso acontece também, quando se sabe o que se precisa ter, se sabe o que se quer ter, se cria uma estratégia para se ter, mas se percebe que ainda não se tem um meio, um instrumento, uma fórmula que faça acontecer.

Voltei ao mercado, comprei um pacote de bolacha pra espantar a fome. Paliativos... A chuva parara, mas a sensação molhada do ar não passou. Dirigi até o posto de gás mais próximo, implorei que fosse entregue um botijão em minha casa no fim da tarde de um feriado. O senhor, com misericórdia de meus olhos aflitos, famintos e ansiosos, foi generoso: mandou entregar.

Agora, sentada, saboreando a sobremesa, farta com meu cardápio favorito, me lembrei de uma verdade crucial, experimentada tantas vezes, e invocada outras tantas para aplacar a falta de sossego: quanto mais difícil, quanto mais tempo e energia são empregados para se conquistar algo, mais gostoso fica. Comi o melhor estrogonofe da minha vida!

sábado, 12 de novembro de 2011

Só: pronomes possessivos

Estava tudo bem. O andar firme, o caminho claro e plano, ideias no lugar. O desejo de estar só.

Sim, porque estar só sempre foi meu alvo. Estar só comigo, curtir as pequenas mazelas de meu mundo só meu. Procurava ansiosamente ficar só.

Porque só estando só, eu era quem era. Não me escondia de ninguém, não fugia de ninguém, não me preocupava com ninguém, ninguém me atingia. Não me machucava com ninguém.

Antes, na correria normal do dia a dia, eu buscava brechas para estar só. Queria um tempo e um espaço para me refugiar no violão, no sono, em algum passatempo, nas músicas, nos livros. Queria um lugar meu, e só meu.

E sempre acreditei piamente que, quando conquistasse o direito de ter um universo pessoal e exclusivo, intocado e íntimo; quando construisse um mundo só pra mim, aí sim, eu seria completa e feliz.

Mas de repente me vejo só. Com todo o tempo e todo o espaço só meus, na maior parte do tempo. Posso ser quem eu quiser e quando eu quiser. O silêncio, por tantas vezes procurado, o tenho sempre.

Mas tudo mudou...

O que foi que você fez?

Quando estou só, tudo está igual. Meu violão está aqui, meus livros, meus pensamentos, meus sonhos. Sim, eu tenho o meu mundo.

Mas pela primeira vez na vida não estou mais confortável nele. Por ironia, agora que tenho um mundo só meu, agora que construí minha intimidade e identidade; agora que sei quem sou, o que quero, o que faço e o que não faço, agora me sinto insuportavelmente só.

E por quê?

Porque ilogicamente, de repente, não quero ser a única pessoa que vive no meu mundo. O tempo que eu gastaria, anos atrás, comigo mesma, agora escorre enquanto procuro você.

Sim, porque você está em todos os lugares. No meu violão, na minha bíblia, nos meus livros, nas músicas, no barulho e no silêncio. Principalmente porque está em mim.

Todas as minhas ultimas escolhas, desde o que colocar no guarda roupa a "o que vou fazer quando crescer". O seu sorriso está por toda a parte, principalmente nos meus lábios. A minha imagem no espelho não me reflete mais. Reflete sim, a pessoa que me tornei por sua causa.

Mas se fosse só isso, tudo bem. Porque muitas pessoas já passaram por minha história e carrego pedacinhos delas até hoje. O problema não é esse.

O problema é que não sou mais capaz de ter prazer estando só. Pior ... não quero mais estar só. O que antes para mim era meu refúgio, hoje só me causa um aperto no peito. Sim, ainda gosto do meu mundo, sou introspectiva e sempre serei. A diferença é que tenho uma necessidade inexplicável e incontrolável, irritante até, de que você esteja nele.

O que foi que você fez?...

Sempre quis ter um mundo só meu.
Agora que tenho, não quero que seja meu.
Quero que seja nosso.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Machadiando...

Estudei a vida inteira porque sempre ouvi: entre nas melhores, você é capaz! E um dos dias mais felizes da minha vida foi quando meu vizinho tocou a campainha pra dizer "Ei, parabéns, você passou!"

Hoje, com cinco anos de FFLCH nas costas, a grande lição que carrego para a vida é não seja ingênua, nada é o que parece!

Sou estudante da USP, sou amiga de PM, amiga de partidário de esquerda e pretendo ser PF - meu Deus, que blasfêmia! - e, portanto, gostaria de dar uma visão um pouco mais crítica de tudo que vem acontecendo. Deixo claro que são elocubrações minhas, pessoais. Tirei da minha cabeça e do meu senso crítico, me responsabilizo por minhas ideias, ok? Então vamos:

- Hoje tudo é questão de mídia. TUDO! Até a desgraça alheia! Independente de quem está certo, não dá pra ser ingênuo o bastante pra achar que o jornalismo é neutro de ideologia. E sabemos que a ideologia dominante chama-se IBOPE. Calma, gente! Tenho amigos jornalistas, não estou dizendo que odeio os caras! Isso não é um texto inflamado de retórica, blz? Existe gente séria, que faz jornalismo sério, que estudou pra isso! Só estou dizendo que a cultura de massa dá dinheiro, que cenas marcantes dá dinheiro, que polemizar dá dinheiro e que o jornal cria verdades todos os dias sob o corte de sua ideologia! Falou no Jornal Nacional, pra 99% da população significa "acima de qualquer suspeita". Pera lá...

- Apesar de estarmos no século XXI, continuamos os mesmos seres humanos de sempre: adoramos esteriótipos! Frases como "estudante da USP é playboy vagabundo", "a PM é corrupta", "político é tudo igual" resumem um estado de letargia mental. a)Tem muita gente, e é a maioria, que estuda, trabalha, rala pra caramba pra fazer da USP o que ela é: a maior Universidade da América Latina. Tem professor sério, estudante gênio, estudante esforçado, pobre que ralou pra entrar, filhinho de papai que ralou pra entrar. Colocar todos no mesmo saco e chamar de "playboy vagabundo" só me faz não levar a sério a opinião de quem diz isso. b)Tem muita gente também que rala pra passar no concurso da PM, que vê a instituição como meio de vencer na vida, de fazer justiça. Gente que aguenta um cotidiano pesado, remuneração piada, situação de risco pra fazer seu trabalho decente. E a maioria da PM cumpre ordens. c) Existe político sério, que não se corrompe, que é inteligente o suficiente pra usar o sistema de forma a beneficiar a população. E existe, sim, playboy vagabundo que estuda na USP, PM truculento corrupto que bate antes de perguntar e embolsa uns, e político imprestável. A questão é: qual é o seu critério de julgamento, a mídia? Fala sério...

- Não concordo com a ocupação, nunca concordei. Mas sabia que ia vencer. Primeiro porque há interesses não muito claros por trás; segundo, porque não acredito nesse discurso romântico inflamado retrógrado de "abaixo a repressão!"; terceiro, porque concordo que se deve arcar com as consequências de seus atos, e colocar a USP nos holofotes por 5 gramas de maconha é palhaçada; quarto, porque, para mim, só se vence um inimigo não usando as mesmas armas: xingar, quebrar, cobrir o rosto, só ajuda pra perder credibilidade de uma discussão que deveria ser séria! E que discurso furado é esse?

- Não concordo com a postura da PM. Nem tampouco com seus métodos! Sei de todos os problemas em questão: a falta de estrutura, a falta de grana, o histórico corrupto, os bons que querem fazer um bom trabalho, etc. Mas só de participarem e coadunarem com o show que se monta já a isenta de qualquer credibilidade ou admiração. 400 policiais armados e treinados, helicópteros e cavalaria para enfrentar 60 estudantes "mimados"? Que medo é esse? São 60 estudantes ou 60 agentes secretos da CIA? Fazer revista em quem sai da biblioteca? Tratar estudante como ameaça? Impedir que alunos tirem fotos? Ameaçar aluno em ponto de ônibus? Tá de brincadeira?

Pronto, resolvi: vou criar um partido político na USP! Faremos piquetes virtuais, sem máscaras e sem tiros. E o grito de guerra será: PENSEM mais! Para mim ficou apenas a certeza de que as coisas estão fora de lugar. Intelectuais que não encontram formas inteligentes de protestar e apelam para o método clichê de ocupação; policiais que obedecem sem questionar, julgam sem pensar e permanecem com o método clichê da coerção; mídia que quer mesmo que o circo pegue fogo para ter o que mostrar no horário nobre.

E ficam também algumas perguntas: o que é democracia? o que é segurança? como se constrói a opinião pública? como lidar com o pré-conceito de classe? até que ponto vai a luta partidária? até que ponto vai a manipulação de massa?

No fim, estou apenas "machadiando"... Aprendi bem a lição: nada é SOMENTE o que parece ser!

"Cheguei na USP às 3h da manhã, com um amigo da sala. Ia começar o nosso 'plantão' do Jornal do Campus. Outros dois amigos já estavam lá. A ideia era passar a madrugada lá na reitoria, ou pelas redondezas. 1) para entender melhor a ocupação, conhecer e poder escrever melhor sobre isso tudo. 2) para estarmos lá caso a PM realmente aparecesse para dar um fim à ocupação.
Conversa vai, conversa vem. O tempo da madrugava passava enquanto ficávamos lá fora, na frente da reitoria, conversando com alunos da ocupação. Alguns com posicionamentos bem definidos (ou inflexíveis), outros duvidando até das próprias atitudes. A questão é: os alunos estavam lá e queriam chamar atenção para a causa (ou as causas, ou nenhuma causa)...e, por enquanto, era só. Não havia nada quebrado, depredado ou destruído dentro da tão requisitada reitoria (a única marca deles eram as pixações). A ocupação era organizada, eles estavam divididos em vários núcleos e tinham medidas pra preservar o ambiente. Aliás, nada de Molotov.
Mais conversa foi jogada fora, a fogueira que aquecia se apagou várias vezes e eu levantei a pergunta pra alguns deles: e se a PM realmente aparecesse lá logo mais? Seria um tiro no pé dela? Ela sairia como herói? Os poucos que conversavam comigo (eram uns 4, além dos amigos da minha sala) ficaram divididos. "Do jeito que a mídia está passando as coisas, eles vão sair como heróis de novo", disse um. "Se ele vierem vai ter confronto e isso já vai ser um tiro no pé deles", disse outra. Mas, numa coisa eles concordavam: poucos acreditavam que a PM realmente ia aparecer.
Eu achava que a PM ia aparecer e muito provavelmente isso que me fez ficar acordada lá. Não demorou muito e, pronto, muita coisa apareceu. A partir daí, meu relato pode ficar confuso, acho que ainda não vou conseguir organizar tudo que eu vi hoje, 08 de novembro.
Muitos PMs chegaram, saindo de carros, motos, ônibus, caminhões. Apareceram helicópteros e cavalaria. Nem eu e, acredito, nem a maior parte dos presentes já tinham visto tanto policial em ação. Estávamos em 5 pessoas na frente da reitoria. Dois estudantes que faziam parte da ocupação, eu e mais 2 amigos da minha sala, que também estavam lá por causa do JC. Assim que a PM chegou, tudo foi muito rápido:

os alunos da ocupação que estavam com a gente sugeriram: "Corram!", enquanto voltavam para dentro da reitoria. Os dois amigos que estavam comigo correram para longe da Reitoria, onde a imprensa ainda estava se posicionando para o show. Eu, sabe-se lá por qual motivo, joguei a minha bolsa para um dos meninos da minha sala e voltei correndo para frente da reitoria, no meio dos policiais que avançavam para o Portão principal [e único] da ocupação.
Tentei tirar fotos e gravar vídeos de uma PM que estava sendo violenta com o nada, para nada. Os policiais quebravam as cadeiras no carrinho, faziam questão do barulho, da demonstração da força. Os crafts com avisos dos estudantes, frases e poemas eram rasgados, uma éspecie de símbolo. Enquanto tudo isso acontecia, parte da PM impedia a imprensa de chegar perto da área, impedindo que os repórteres vissem tudo isso. Voltando para confusão onde eu tinha me enfiado: os PMs arrombaram a porta principal, entraram (um grupo de mais ou menos 30, eu acho) e, logo em seguida, fecharam o portão. Trancaram-se dentro da reitoria com os alunos. Coisa boa não era.
Depois disso, o outro grupo de PMs,que impedia a mídia de se aproximar dessas cenas que eu contei , foi abrindo espaço. Quer dizer, não só abrindo espaço, mas também começando (ou fortalecendo) uma boa camaradagem para os repórteres que lá estavam atrás de cenas fortes e certezas.
"Me sigam para cá que vai acontecer um negócio bom pra filmar ali agora", disse um dos militares para a enxurrada de "jornalistas".
A cena era um terceiro grupo de PMs, arrombando um segunda porta da reitoria, sob a desculpa de que queria entrar. O repórter da Globo me perguntou (fui pra perto deles depois da confusão em que me meti com os policiais no início): "os PMs já entraram, não? Por que eles tão tentando por aqui também?". Respondi: "sim, já entraram. E provavelmente estão fazendo essa cena pra vocês terem algum espetáculo pra filmar"
A palhaçada organizada pelos policiais e alimentada pelos repórteres que lá estavam continuou por algumas horas. A imprensa ia contornando a reitoria, na esperança de alguma cena forte. Enquanto isso, PM e alunos estavam juntos, dentro da Reitoria, sem ninguém de fora poder ver ou ouvir o que se passava por lá. Quem tentasse entrar ou enxergar algo que se passava lá na Reitoria, dava de cara com os escudos da tropa de choque, até o fim.
Enquanto amanhecia, universitários a favor da ocupação, ou contra a PM ou simplesmente contra toda a violência que estava escancarada iam chegando. Os alunos pediam para entrar na reitoria. Eu pedia para entrar na reitoria. Tudo que todo mundo queria era saber o que realmente estava acontecendo lá dentro. A PM não levava os estudantes da ocupação para fora e o pedido de todo mundo era "queremos algo às claras". Por que ninguém pode entrar? Por que ninguém pode sair?
Enquanto os alunos que estavam do lado de fora clamavam para entrar, ouvi de um grupo de repórteres (entre eles, SBT): "Não vamos filmar essas baboseiras dos maconheiros não! O que eles pedem não merece aparecer". Entre risadas, pra não perder o bom humor. Além dos repórteres que já haviam decidido o que era verdade ou não, noticiável ou não, tinham pessoas misturadas a eles, gritando contra os estudantes, xingando. Eu mesma ouvi muitas e boas como "maconheirazinha", "raça de merda" e "marginal" .
Os estudantes que enfrentavam de verdade os policiais que faziam a 'corrente' em torno da Reitoria eram levados para dentro. Em questões de segundos, um estudante sumia da minha frente e era levado pra dentro do cerco. Para sabe-se lá o que.
Lá pras 7h30, depois de muito choro, puxões e algumas escudadas na cara, comecei a ver que os PMs estavam levando os estudantes da ocupação para dentro dos ônibus. Uma menina foi levada de maneira truculenta, essa foi a única coisa que meu 1,60m de altura conseguiu ver por trás de uma corrente da tropa de choque. Enquanto eu tentava entrar no cerco, para entender a história, a grande mídia já estava lá dentro. Fui conversar com um militar, explicar da JC. Ouvi em troca "ai, é um jornal da usp. De estudantes, não pode. Complica".
Os ônibus com os alunos presos saíram da USP. Uma quantidade imensa de outros alunos gritavam com a PM. Eu e os dois amigos da minha sala (aqueles da madrugada) pegamos o carro e fomos para a DP.
Na DP, o sistema era o mesmo e meu cansaço e raiva só estavam maiores. Enjoo e dor de cabeça, era o meu corpo reagindo a tudo que eu vi pela manhã. Alunos saiam de 5 em 5 do ônibus para dentro da DP. Jornalistas amontoados. Familiares chegando. Alunos presos no ônibus, sem água, sem banheiro, sem comida, mas com calor. Pelo menos por umas 3h foi assim.
Enquanto a ficha caia e eu revisualizava todo o horror da reintegração de posse, outras pessoas da minha sala mandavam mensagens para gente, de como a grande imprensa estava cobrindo o caso. Um ato pacífico, né Globo? Não foi bem isso o que eu vi, nem o que o JC viu, nem o que centenas de estudantes presenciaram.

Enfim, sou contra a ocupação. Sempre tive várias críticas ao Movimento Estudantil desde que entrei na USP. Nunca aceitei a partidarização do ME. Me decepciono com a falta de propostas efetivas e com as discussões ultrapassadas da maioria das assembléias. Mas, nada, nada mesmo, justifica o que ocorreu hoje. Nada pode ser explicação pra violência gratuita, pro abuso do poder e, principalmente, pela desumanização da PM.
Não costumo me envolver com discussões do ME, divulgar textos ou participar ativamente de algo político do meio universitário. Mas, como poucos realmente sabem o que aconteceu hoje (e eu acredito que muita coisa vai ser distorcida a partir de agora, por todos os lados), achei que valeria a pena escrever esse texto. Taí o que eu vi
." by Shayane Metri _ repórter estudante da USP

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Manifesto Clichê

Aqui vai uma lista das coisas que mais quero na vida. E essa lista existe apenas para autodescoberta. Por que, antes de mais nada, precisei elaborá-la. É a admissão sincera de alguém que sempre pôde lutar pelo que queria, mas nunca soube bem o que isso era! Na verdade, sempre soube; só nunca admitiu claramente.

- Quero a sensação de saber que sou útil. Que por um momento, em alguma circunstância, fui a pessoa certa, no lugar certo, e tive a oportunidade de exercer meu papel com louvor.

- Quero que minha existência sirva para melhorar a existência do outro, qualquer que seja ele, o indivíduo que existe e não sou eu; todos os que passarem por aqui.

- Quero o sorriso, o toque, o beijo, a conversa desinteressada, a piada espontânea, a confidência, a cumplicidade, a troca de verdade, o crescer juntos, o brilho dos olhos, o dar suporte, o dar e receber colo, o dar e ouvir sugestões, a companhia, a confiança, o jogar coisas fora, o adquirir coisas, o matar tempo, o ganhar tempo, o investir tempo, os abraços, os sussurros, as broncas, os investimentos, os desperdícios, o mau humor, o bom humor, o medo, as lágrimas, a dor, a ansiedade, os abraços, os dedos entrelaçados, os telefonemas, os filmes, os livros, as músicas, o lanche, as tarefas corriqueiras, os projetos de vida, a voz, o suor, a pele, a oração, a preocupação, a empatia, o afeto, a espera, o respeito, a admiração, o compartilhar, os silêncios e seus significados distintos, e toda a lista interminável de coisas que tenta explicar a mágica experiência de ser de um ser.

- Quero dar valor à vida, à riqueza das pessoas e suas várias identidades, e de tudo o que se pode aprender com elas.

-Quero uma família. Uma de verdade. Não uma ideal, tão pouco uma falsificada. Uma real, com seu problemas diversos, seus laços, suas manias e tiques, sua riqueza de vida e de história.

- Quero não precisar me rebaixar ao consumo vazio, às expectativas plantadas, aos ídolos, ao senso comum, às verdades forjadas para me sentir humano, digno, decente e de valor.

- Quero a deliciosa sensação da conquista, quando se trabalha e se empenha por algo. Quero, antes de tudo, nada que seja fácil demais, nada que seja dado perniciosamente, nada que tire de mim a capacidade de lutar, de agir, de escolher; de conquistar.

- Quero ver minha fé se tornando tão palpável que qualquer estranho não fique alheio às suas manifestações; que o amor que prego esteja tão impregnado em mim, que a verdade que digo seja tanto o que vivo, que de fato, venha à existência material patente a qualquer um.

- Quero ousadia para enfrentar os hipócritas, os mentirosos, os falsários, os enganadores, os caluniadores, os manipuladores, os inescrupulosos, os injustos, os egoístas, os brutos, os orgulhosos, os perniciosos, os ambiciosos, os maldosos – de forma eficaz mas graciosa; e quero a coragem e a humildade necessárias para não me tornar um deles.

- Quero que aqueles que me conhecem, e que irão me conhecer, ao se lembrarem de mim, digam: seria bom se existissem várias dela!

- Quero a pessoa de Deus perto, mesmo que, para isso, seja preciso refazer meus paradigmas e a imagem que tenho de mim e Dele, quantas vezes forem necessárias.

- Quero viver, amar, construir algo que fique após mim, e morrer... Sim, eu quero morrer um dia! Espantado? Dois motivos: primeiro, é uma coisa que só se sabe como é experimentando; segundo, se eu vivesse para sempre, o ciclo errar-aprender-tentar de novo seria infindável e inútil, e uma hora, creio, isso cansa! Acabei de pensar em mais um: a certeza da morte, no fim, é o que faz a minha vida ter valor.

Bom... pelo jeito continuo clichê: quero exatamente o que todos os seres humanos querem!