Estudei a vida inteira porque sempre ouvi: entre nas melhores, você é capaz! E um dos dias mais felizes da minha vida foi quando meu vizinho tocou a campainha pra dizer "Ei, parabéns, você passou!"
Hoje, com cinco anos de FFLCH nas costas, a grande lição que carrego para a vida é não seja ingênua, nada é o que parece!
Sou estudante da USP, sou amiga de PM, amiga de partidário de esquerda e pretendo ser PF - meu Deus, que blasfêmia! - e, portanto, gostaria de dar uma visão um pouco mais crítica de tudo que vem acontecendo. Deixo claro que são elocubrações minhas, pessoais. Tirei da minha cabeça e do meu senso crítico, me responsabilizo por minhas ideias, ok? Então vamos:
- Hoje tudo é questão de mídia. TUDO! Até a desgraça alheia! Independente de quem está certo, não dá pra ser ingênuo o bastante pra achar que o jornalismo é neutro de ideologia. E sabemos que a ideologia dominante chama-se IBOPE. Calma, gente! Tenho amigos jornalistas, não estou dizendo que odeio os caras! Isso não é um texto inflamado de retórica, blz? Existe gente séria, que faz jornalismo sério, que estudou pra isso! Só estou dizendo que a cultura de massa dá dinheiro, que cenas marcantes dá dinheiro, que polemizar dá dinheiro e que o jornal cria verdades todos os dias sob o corte de sua ideologia! Falou no Jornal Nacional, pra 99% da população significa "acima de qualquer suspeita". Pera lá...
- Apesar de estarmos no século XXI, continuamos os mesmos seres humanos de sempre: adoramos esteriótipos! Frases como "estudante da USP é playboy vagabundo", "a PM é corrupta", "político é tudo igual" resumem um estado de letargia mental. a)Tem muita gente, e é a maioria, que estuda, trabalha, rala pra caramba pra fazer da USP o que ela é: a maior Universidade da América Latina. Tem professor sério, estudante gênio, estudante esforçado, pobre que ralou pra entrar, filhinho de papai que ralou pra entrar. Colocar todos no mesmo saco e chamar de "playboy vagabundo" só me faz não levar a sério a opinião de quem diz isso. b)Tem muita gente também que rala pra passar no concurso da PM, que vê a instituição como meio de vencer na vida, de fazer justiça. Gente que aguenta um cotidiano pesado, remuneração piada, situação de risco pra fazer seu trabalho decente. E a maioria da PM cumpre ordens. c) Existe político sério, que não se corrompe, que é inteligente o suficiente pra usar o sistema de forma a beneficiar a população. E existe, sim, playboy vagabundo que estuda na USP, PM truculento corrupto que bate antes de perguntar e embolsa uns, e político imprestável. A questão é: qual é o seu critério de julgamento, a mídia? Fala sério...
- Não concordo com a ocupação, nunca concordei. Mas sabia que ia vencer. Primeiro porque há interesses não muito claros por trás; segundo, porque não acredito nesse discurso romântico inflamado retrógrado de "abaixo a repressão!"; terceiro, porque concordo que se deve arcar com as consequências de seus atos, e colocar a USP nos holofotes por 5 gramas de maconha é palhaçada; quarto, porque, para mim, só se vence um inimigo não usando as mesmas armas: xingar, quebrar, cobrir o rosto, só ajuda pra perder credibilidade de uma discussão que deveria ser séria! E que discurso furado é esse?
- Não concordo com a postura da PM. Nem tampouco com seus métodos! Sei de todos os problemas em questão: a falta de estrutura, a falta de grana, o histórico corrupto, os bons que querem fazer um bom trabalho, etc. Mas só de participarem e coadunarem com o show que se monta já a isenta de qualquer credibilidade ou admiração. 400 policiais armados e treinados, helicópteros e cavalaria para enfrentar 60 estudantes "mimados"? Que medo é esse? São 60 estudantes ou 60 agentes secretos da CIA? Fazer revista em quem sai da biblioteca? Tratar estudante como ameaça? Impedir que alunos tirem fotos? Ameaçar aluno em ponto de ônibus? Tá de brincadeira?
Pronto, resolvi: vou criar um partido político na USP! Faremos piquetes virtuais, sem máscaras e sem tiros. E o grito de guerra será: PENSEM mais! Para mim ficou apenas a certeza de que as coisas estão fora de lugar. Intelectuais que não encontram formas inteligentes de protestar e apelam para o método clichê de ocupação; policiais que obedecem sem questionar, julgam sem pensar e permanecem com o método clichê da coerção; mídia que quer mesmo que o circo pegue fogo para ter o que mostrar no horário nobre.
E ficam também algumas perguntas: o que é democracia? o que é segurança? como se constrói a opinião pública? como lidar com o pré-conceito de classe? até que ponto vai a luta partidária? até que ponto vai a manipulação de massa?
No fim, estou apenas "machadiando"... Aprendi bem a lição: nada é SOMENTE o que parece ser!
Conversa vai, conversa vem. O tempo da madrugava passava enquanto ficávamos lá fora, na frente da reitoria, conversando com alunos da ocupação. Alguns com posicionamentos bem definidos (ou inflexíveis), outros duvidando até das próprias atitudes. A questão é: os alunos estavam lá e queriam chamar atenção para a causa (ou as causas, ou nenhuma causa)...e, por enquanto, era só. Não havia nada quebrado, depredado ou destruído dentro da tão requisitada reitoria (a única marca deles eram as pixações). A ocupação era organizada, eles estavam divididos em vários núcleos e tinham medidas pra preservar o ambiente. Aliás, nada de Molotov.
Mais conversa foi jogada fora, a fogueira que aquecia se apagou várias vezes e eu levantei a pergunta pra alguns deles: e se a PM realmente aparecesse lá logo mais? Seria um tiro no pé dela? Ela sairia como herói? Os poucos que conversavam comigo (eram uns 4, além dos amigos da minha sala) ficaram divididos. "Do jeito que a mídia está passando as coisas, eles vão sair como heróis de novo", disse um. "Se ele vierem vai ter confronto e isso já vai ser um tiro no pé deles", disse outra. Mas, numa coisa eles concordavam: poucos acreditavam que a PM realmente ia aparecer.
Eu achava que a PM ia aparecer e muito provavelmente isso que me fez ficar acordada lá. Não demorou muito e, pronto, muita coisa apareceu. A partir daí, meu relato pode ficar confuso, acho que ainda não vou conseguir organizar tudo que eu vi hoje, 08 de novembro.
Muitos PMs chegaram, saindo de carros, motos, ônibus, caminhões. Apareceram helicópteros e cavalaria. Nem eu e, acredito, nem a maior parte dos presentes já tinham visto tanto policial em ação. Estávamos em 5 pessoas na frente da reitoria. Dois estudantes que faziam parte da ocupação, eu e mais 2 amigos da minha sala, que também estavam lá por causa do JC. Assim que a PM chegou, tudo foi muito rápido:
os alunos da ocupação que estavam com a gente sugeriram: "Corram!", enquanto voltavam para dentro da reitoria. Os dois amigos que estavam comigo correram para longe da Reitoria, onde a imprensa ainda estava se posicionando para o show. Eu, sabe-se lá por qual motivo, joguei a minha bolsa para um dos meninos da minha sala e voltei correndo para frente da reitoria, no meio dos policiais que avançavam para o Portão principal [e único] da ocupação.
Tentei tirar fotos e gravar vídeos de uma PM que estava sendo violenta com o nada, para nada. Os policiais quebravam as cadeiras no carrinho, faziam questão do barulho, da demonstração da força. Os crafts com avisos dos estudantes, frases e poemas eram rasgados, uma éspecie de símbolo. Enquanto tudo isso acontecia, parte da PM impedia a imprensa de chegar perto da área, impedindo que os repórteres vissem tudo isso. Voltando para confusão onde eu tinha me enfiado: os PMs arrombaram a porta principal, entraram (um grupo de mais ou menos 30, eu acho) e, logo em seguida, fecharam o portão. Trancaram-se dentro da reitoria com os alunos. Coisa boa não era.
Depois disso, o outro grupo de PMs,que impedia a mídia de se aproximar dessas cenas que eu contei , foi abrindo espaço. Quer dizer, não só abrindo espaço, mas também começando (ou fortalecendo) uma boa camaradagem para os repórteres que lá estavam atrás de cenas fortes e certezas.
"Me sigam para cá que vai acontecer um negócio bom pra filmar ali agora", disse um dos militares para a enxurrada de "jornalistas".
A cena era um terceiro grupo de PMs, arrombando um segunda porta da reitoria, sob a desculpa de que queria entrar. O repórter da Globo me perguntou (fui pra perto deles depois da confusão em que me meti com os policiais no início): "os PMs já entraram, não? Por que eles tão tentando por aqui também?". Respondi: "sim, já entraram. E provavelmente estão fazendo essa cena pra vocês terem algum espetáculo pra filmar"
A palhaçada organizada pelos policiais e alimentada pelos repórteres que lá estavam continuou por algumas horas. A imprensa ia contornando a reitoria, na esperança de alguma cena forte. Enquanto isso, PM e alunos estavam juntos, dentro da Reitoria, sem ninguém de fora poder ver ou ouvir o que se passava por lá. Quem tentasse entrar ou enxergar algo que se passava lá na Reitoria, dava de cara com os escudos da tropa de choque, até o fim.
Enquanto amanhecia, universitários a favor da ocupação, ou contra a PM ou simplesmente contra toda a violência que estava escancarada iam chegando. Os alunos pediam para entrar na reitoria. Eu pedia para entrar na reitoria. Tudo que todo mundo queria era saber o que realmente estava acontecendo lá dentro. A PM não levava os estudantes da ocupação para fora e o pedido de todo mundo era "queremos algo às claras". Por que ninguém pode entrar? Por que ninguém pode sair?
Enquanto os alunos que estavam do lado de fora clamavam para entrar, ouvi de um grupo de repórteres (entre eles, SBT): "Não vamos filmar essas baboseiras dos maconheiros não! O que eles pedem não merece aparecer". Entre risadas, pra não perder o bom humor. Além dos repórteres que já haviam decidido o que era verdade ou não, noticiável ou não, tinham pessoas misturadas a eles, gritando contra os estudantes, xingando. Eu mesma ouvi muitas e boas como "maconheirazinha", "raça de merda" e "marginal" .
Os estudantes que enfrentavam de verdade os policiais que faziam a 'corrente' em torno da Reitoria eram levados para dentro. Em questões de segundos, um estudante sumia da minha frente e era levado pra dentro do cerco. Para sabe-se lá o que.
Lá pras 7h30, depois de muito choro, puxões e algumas escudadas na cara, comecei a ver que os PMs estavam levando os estudantes da ocupação para dentro dos ônibus. Uma menina foi levada de maneira truculenta, essa foi a única coisa que meu 1,60m de altura conseguiu ver por trás de uma corrente da tropa de choque. Enquanto eu tentava entrar no cerco, para entender a história, a grande mídia já estava lá dentro. Fui conversar com um militar, explicar da JC. Ouvi em troca "ai, é um jornal da usp. De estudantes, não pode. Complica".
Os ônibus com os alunos presos saíram da USP. Uma quantidade imensa de outros alunos gritavam com a PM. Eu e os dois amigos da minha sala (aqueles da madrugada) pegamos o carro e fomos para a DP.
Na DP, o sistema era o mesmo e meu cansaço e raiva só estavam maiores. Enjoo e dor de cabeça, era o meu corpo reagindo a tudo que eu vi pela manhã. Alunos saiam de 5 em 5 do ônibus para dentro da DP. Jornalistas amontoados. Familiares chegando. Alunos presos no ônibus, sem água, sem banheiro, sem comida, mas com calor. Pelo menos por umas 3h foi assim.
Enquanto a ficha caia e eu revisualizava todo o horror da reintegração de posse, outras pessoas da minha sala mandavam mensagens para gente, de como a grande imprensa estava cobrindo o caso. Um ato pacífico, né Globo? Não foi bem isso o que eu vi, nem o que o JC viu, nem o que centenas de estudantes presenciaram.
Enfim, sou contra a ocupação. Sempre tive várias críticas ao Movimento Estudantil desde que entrei na USP. Nunca aceitei a partidarização do ME. Me decepciono com a falta de propostas efetivas e com as discussões ultrapassadas da maioria das assembléias. Mas, nada, nada mesmo, justifica o que ocorreu hoje. Nada pode ser explicação pra violência gratuita, pro abuso do poder e, principalmente, pela desumanização da PM.
Não costumo me envolver com discussões do ME, divulgar textos ou participar ativamente de algo político do meio universitário. Mas, como poucos realmente sabem o que aconteceu hoje (e eu acredito que muita coisa vai ser distorcida a partir de agora, por todos os lados), achei que valeria a pena escrever esse texto. Taí o que eu vi." by Shayane Metri _ repórter estudante da USP
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