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sexta-feira, 29 de junho de 2012

A literatura forma?

A discussão se a literatura em geral - seja os clásicos, os best-sellers, os modismos, os gibis, os quadrinhos, os mangás, os romances, as fábulas, seja toda a re-re-re-leitura que Hollywood e a TV fazem destes textos - influencia a formação de caráter, de concepção de mundo de seus consumidores mirins está em toda boa faculdade de letras e em bons ensaios. Está também no bate-papo de literatas, jornalistas, críticos, professores, alunos e nerds.

Pois bem: não pretendo aqui resolver a questão, muito menos tento me comparar a tudo que se fala no meio artístico-literário-cinematográfico-jornalístico que existe no mundo. Vou apenas comentar minha própria experiência, primeiro como consumidora passiva, depois como leitora perspicaz, e agora como pensadora-bisbilhoteira-metida-a-culta.

Primeiro, a saga. Vários de vocês, os que acompanham meu blog, sabem que ando me atrevendo a escrever. Com um romance quase pronto - com proposta de publicação pela Novo Século - e outros textos no forno - com o acompanhamento entusiástico e crítico de uma grande amiga, editora na Paco Editorial, Kátia Ayache -, comecei a publicar tais novas linhas em blog do mesmo nome. E ao buscar informações sobre um projeto - sim, porque literatura, a bem feita, é também um projeto de pesquisa - dando voltas e voltas na net, deparei-me com obras e personagens que compuseram meu imaginário pessoal infantil.

Encantada, com um gostinho de infância na boca, me deixei levar, página à página, pela história de criação, os enredos, a crítica, o contexto histórico, e principalmente, o discurso que cada um de meus heróis trazia consigo, já na época que os consumia ingenuamente, sem imaginar nem metade de tanta informação. Agora, adulta, o prazer de reler os personagens com olhos de adulto foi indescritível!

Caverna do Dragão - D&D - Marvel
No entanto, e é aqui que quero chegar, aos poucos percebi algo que explica o debate proposto: ao ler, maduramente, minhas referências, me peguei lendo a mim mesma. Exatamente o que entendeu: o discurso de meus heróis sempre esteve tão impregnado em mim que pareceu ser meu discurso. Minhas ideologias, minha visão de mundo, meus princípios, características de minha personalidade, meu comportamento social natural, minha visão crítica e, além disso, minhas feições humanas, meu senso de feminino, meu senso de família, meu senso de belo, tudo: estão todos lá, transvestidos de capa, botas e super-poderes.Sim, meus caros, a literatura forma!
  
Alguns exemplos:
Liga da justiça - DC Comics
1- Sempre fui fã de Mulher-Maravilha, inclusive tenho fotos vestida de cinto, short, capa e corda mágica. Resultado: o discurso por trás da heroína (o feminismo da década de 40, o imaginário amazon, a referência a deuses gregos e mitologia, a discussão acerca da verdade, a relação que ela tinha com os homens, os valores de amor verdadeiro e guerreiro, etc, etc) estão aqui, em minhas linhas, em minhas relações pessoais, em meu estilo de vida.
X-Man - Marvel









2 - Batmam, Flash, Átomo, Superman, Hank (Caverna do Dragão) e Sherlock Holmes criaram, sem eu saber, o paradigma dos homens a serem considerados dignos, de confiança, de honra, de admiração e, por que seria diferente, já que nasci menina, de amor. Sim, me apaixonei por garotos e homens que lembram os ideais e caráter de meus heróis favoritos.
She-Ra


3 - Sheila (Caverna dos Dragões), Mulher Maravilha, She-Ra (Gêmea do He-Man), Mulher Gato, Fênix (X-Man), Ororo (X-Man) criaram meu paradigma de mulher: forte, independente, culta, fisicamente treinada, que marca o contexto onde está, que faz a diferença.


Vou parar por aqui. Sim, senhoras e senhores, a literatura tem poder, e um poder tamanho: o de formar o pensamento e o caráter. Claro que não sou apenas fruto do que li e ouvi; tive pais. Mais do que isso, tive pais, primos, tios e tias, professores, pastores, amigos, colegas de escola. Tudo forma. Mas a adulta e não tão ingênua mulher que me tornei precisa admitir que boa parte do meu imaginário, logo de minhas referências, logo de minha visão de mundo, logo ainda, de minhas decisões, foram diretamente e sorrateiramente influenciados pelo mundo literário-televisivo a que fui exposta.


E se a literatura de fato forma, fica uma questão e uma responsabilidade. A questão é: que seres humanos existirão formados pela literatura-arte-filmes-séries atual? Quais serão os princípios dos fãs de Bella, Arthur, Aslam, Frodo, Harry, Homem Aranha, Homem de Ferro, Os Incríveis, e tantos outros que dão lucro inimaginável aos comerciantes, publicitários, cineastas, escritores, editores, músicos e todos os envolvidos no mercado cultural? Que pessoas existirão a partir da literatura que propomos às nossas crianças e jovens e adultos-jovens e adultos de hoje? Quais as ideologias que vendemos?


Fica a responsabilidade, a todos os produtores de mitos e heróis, de saber que mundo é esse que estão criando. Não os das páginas, nem os da telinha: o real.

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