sexta-feira, 19 de outubro de 2012
Leituras (arrepios e nós na garganta) de um Best Seller
Terminei a leitura do Best Seler "Fifty Shades of Grey" - o "Cinquenta tons de cinza", de E L James, e gostaria de compartilhar com vocês alguns nuances, arrepios e sabores colhidos.
Em geral, é uma obra de leitura prazerosa (não pude perder a oportunidade do trocadilho), dessas que você engole o texto numa tarde, por impulso avassalador (desculpem-me o linguajar, é influência do clima).
Falando sério, ficou para mim 3 experiências numa só. Pra não virar uma orgia intelectual, vamos uma de cada vez:
- A literatura
Se tratando de texto, apesar de eu ter lido a tradução e não o original (sim, faz diferença), posso dizer que é um texto bem escrito. A construção narrativa prende a leitura logo do começo. Os flashes de consciência, quando sabemos o que a protagonista pensa, soltos nas linhas do texto colaboram para que o leitor mergulhe na proposta de se colocar no lugar de Anastasia e ver o mundo a partir de seus olhos. Por outro lado, é instigante também porque qualquer mulher não tão ingênua sente raiva da garota, depois pena. Nós, leitoras, nos pegamos pensando "Ah, fala sério, até eu entendi essa!" ou "Você não vai cair nessa, vai?" desde o início das insinuações e entrelinhas de Grey. As cenas picantes são escritas belamente, e fica claro que é um viés feminino: a expectativa montada é obra do olhar feminino da sexualidade (não que essa crítica seja novidade, isso já foi publicado na revista Época, e já comentei dela aqui; apenas reforço o fato de que também senti o mesmo), onde a mitificação e a fantasia, a pré-visualização da experiência a faz maior do que realmente é (um privilégio feminino, diga-se de passagem), e a autora explora isso. Quanto ao enredo e as camadas de leitura, não é, de fato, apenas um livro pornográfico; também. Mas percebo que não é a pornografia pura e simples que faz o leitor virar a página; acima de tudo são os temas e as questões levantadas que intrigam.
- Os temas
No fim, acabo por entender o motivo do tema que está na superfície do livro, e não é apenas porque pornografia vende; também, mas vai além. O sexo já foi tabu, já foi liberado ao extremo e agora entra em nova fase de ideologização, creio eu. Houve o tempo em que a sexualidade era reprimida ao ponto de ser assim inclusive no único ambiente em que era permitido moralmente pela sociedade - no casamento. Depois foi usado como protesto, como marca de uma geração que não reivindicava apenas a liberdade sexual, mas o traço ficou: sexo, drogas e rock 'n roll. Com a conscientização crescente, precoce e imatura às vezes, dos jovens acerca do tema, é possível vender um livro como "Cinquenta tons de cinza" nas prateleiras de destaque das maiores livrarias do país sem chocar ninguém. E mais: é possível andar com ele por baixo do braço e lê-lo no terminal de ônibus circular sem sofrer repreensões ou olhares atravessados (eu fiz o teste!). Hoje, a sexualidade não é tabu: é uma escolha. Isso tem o lado bom e o ruim, mas não é a questão aqui. O importante é entender que falar de sexo hoje implica muito mais do que falar de sacanagem. Envolve questões do tipo: o papel da mulher; o papel do masculino; as bases dos relacionamentos; os juízos de valor; a noção social de certo e errado; a noção social do bem e do mal. E é aqui que quero chegar, pois creio que é exatamente este o grande ganho da obra, que está descrito, de cara, no título: cinza. O fato de que num mundo humano, complexo, onde não sabemos a história por completo, nem todas as facetas de uma pessoa, está cada vez mais difícil taxar alguém de preto (das trevas, sombrio, vilão, imprestável, horroroso, etc) ou branco (bonzinho, acima de qualquer suspeita, perfeito, moral, etc). Somos cinza. A sociedade está cada vez mais cinza. E essa tomada de consciência pode ser boa ou ruim, o que me leva ao motivo principal porque indico a leitura do livro.
- Um mundo cinza
Quanto ao livro, o grande personagem, o de maior profundidade e que me fascinou desde as primeiras linhas (não o mesmo fascínio da protagonista, vamos deixar claro!), foi Christian Grey. A escolha do nome é sutil e proposital, e podemos perder esse detalhe na tradução: o título originalmente é "50 tons de Grey", ou seja, cinquenta tons do personagem. No entanto, a palavra "grey" é também a cor "cinza" em inglês. Com certeza E L James sabia o que fazia na escolha do título e do nome do bonitão. O personagem de muitas facetas, possuidor de 50 tons de cores morais e de humor, levanta a questão da complexidade humana. Alguém aparentemente perfeito nos padrões convencionais (rico, bonito, boa pinta, culto, etc) pode ser um monstro, cuja monstruosidade nasce de uma humanidade profunda, e por isso mesmo, fascinar? Somos capazes de entender ou julgar a complexidade humana? Não, não somos. Então onde ficam os conceitos, preto no branco, de certo e errado? Indo mais longe, cabe, num mundo cinza, um discurso claro, preto-e-branco?
Vou dar um salto, tentem me acompanhar:
Como fazer com que, num mundo complexo, onde a consciência da fraqueza humana causa empatia, compaixão e tolerância (é o que espero) o discurso bíblico preto-e-branco tenha sentido? O evangelho, afinal, tem sentido?
"Elisa do céu, como chegou aí?"
Simples: ao final do livro, pasmem, não senti nem raiva ou nojo de Grey, tampouco raiva ou julgamento de Ana. No fim, minha conclusão foi: tá, eu entendo. Consigo me ver uma Anastacia e sim (não me matem ainda) consigo entender o funcionamento psicológico de Grey. No fim, para mim, ficou a dor de saber que é mais complexo do que parece, e que julgá-los não é a resposta, apesar de ser a postura comum (pensando hipoteticamente na existência de pessoas assim). Claro que não concordo com nada. Pelo contrário, deixo claro, acho doentio e perigoso: Grey é sedutor e doente psicologicamente pelas marcas que tem; Ana é ingênua e pode se dar muito mal por isso. Mas é um quadro possível.
A pergunta final de uma crente que adora literatura é: qual o papel do evangelho num mundo cinza? Num tempo em que, graças a Deus, não há mais espaço para discursos autoritários, prepotentes e segregadores, como mostrar o conceito de graça salvadora, deixando claro que sabemos que vivemos num mundo, e somos, de seres cinzas- errantes, complexos, dignos de compaixão e carentes? E se é assim, porque o discurso "quadrado" acusador, presente na maioria dos púlpitos, lota os templos? Porque o senso comum, ao se falar do cristianismo, ainda é "pecados capitais", "culpa", "expurgação" "céu vs inferno", "anjos vs demônio", o que faz a mensagem da cruz parecer um mito, um conto da carochinha de gente atrasada e de mente pequena?
A falta dessa conscientização (a da complexidade humana, a da graça salvadora, e o não "enxergar a própria trave") tem feito a igreja cristã perder espaço, voz, e eficácia; a presença dessa conscientização tem produzido bons livros como a trilogia de E L James, as "Crõnicas de Gelo e Fogo", entre outros.
Fica o aviso: se não enxergamos (por "nós" digo todos aqueles que abraçam o cristianismo, independente da linha) de vez o cinza e não formos capazes de entendê-lo para, assim, sermos capazes de nos comunicar com ele, estaremos fadados a nos tornar um discurso empoeirado, livro velho sem voz e sem saída em sebos.
Imaginar o evangelho da cruz se transformando nisso é que, sim, me dá nó na garganta e frio na espinha!
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Sim entendi o texto mas fica a pergunta: vale a pena ler? Tenho visto algumas meninas que estão enlouquecidas por esse livro. E Olha que conheço bem a cabecinha de algumas que estão simplesmente apaixonadas contando os dias para que sejam publicados os outros se e´que já não foram publicado, acho que sim.... na verdade o que me espanta é o interesse absurdo...pelo assunto. bjs
ResponderExcluir