segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
sexta-feira, 21 de janeiro de 2011
Desculpe: eu já sabia!
Tive acesso a um artigo essa semana. Um “especialista”, de uma instituição de ensino renomada internacionalmente, se deu ao trabalho de fazer uma pesquisa sobre um dos maiores tabus da atualidade. Resultado? Bom... eu já sabia.
Desculpem-me a modéstia. Não quero aqui me vangloriar. Mas não posso deixar de sorrir e dizer: eu já sabia.
Vou explicar:
Um cientista (não vou nomear por respeito) um dos poucos com quem tenho contato – um dos bons, acreditem; desses que todo mundo conhece, de pelo menos ouvir falar, por isso vou deixá-lo anônimo – certa vez me contou sua experiência pessoal. Fui pedir a ele, na época, com um pouco de medo é verdade, que me explicasse o que pra mim era antagônico: como um homem tão culto, herdeiro do pensamento iluminista-cartesiano-metodológico-branco-de-laboratório poderia defender as mesmas bases filosóficas, teológicas e morais que eu, o que a princípio negavam os pilares que sustentavam seu trabalho. Foi quando me contou um "causo" que me marcou para sempre.
Meu amigo (licença para chamá-lo de amigo) explicou-me o que viveu através de uma ilustração:
Um dia se viu igual a um homem cuja missão era subir uma montanha misteriosa e belíssima, perscrutá-la, entendê-la para, finalmente, chegar ao topo. Isso porque lá, diziam, estava a fonte da verdade. A montanha era tão alta que de lá de cima se poderia ver tudo aqui embaixo. Talvez ele entenderia os mistérios da vida, vendo-os de um plano mais alto.
Pôs-se à empreitada. Na verdade, a herdou. Sim, porque homens de sua família já tinham gastado a vida inteira para subir alguns metros da montanha. Então tinha certa vantagem, já que não tinha que começar do zero. Estudou, montou uma equipe, comprou uma parafernália para vencer a montanha, centímetro por centímetro. E quanto mais difícil ficava, mais pessoas se uniam a ele em busca do topo, mais parafernálias eram criadas para fazer a conquista possível. E nisso gastou anos de vida, sacrificou sonhos, amigos, família, diversão, dinheiro, tudo. Vivia de sua busca heróica.
Depois de muito tempo, no auge da carreira, viu que talvez seria possível; seria um dos poucos que chegaria ao topo antes de morrer. Se desvinculou de tudo o que o atrapalhava, deixou amigos de caminhada para trás e não cuidava mais das próprias feridas. Deu tudo, até sua saúde. Sangrou e chegou lá. A verdade que buscava estava diante de si, apenas alguns metros acima.
Levou um tremendo susto, o susto que transformou e, palavras dele, salvou sua vida.
Quando chegou ao topo se viu numa cena, no mínimo, curiosa: homens, uns mais velhos, outros de idade próxima à dele, vestidos à antiga, sentados à beira do precipício, olhando a paisagem calmamente; sorriam, conversavam, e tratavam a montanha como se ela fosse o quintal de suas casas. Olhou em volta e ficou mais intrigado ainda: nenhum equipamento, nenhuma barraca, nenhum arranhão. Nada. Nem cansados estavam. Será que moravam ali?
A.L. (meu amigo) – Olá... vocês MORAM...aqui?!
Desconhecido – Não, claro que não. Venho aqui sempre.
A.L – “venho aqui SEMPRE?” – Como assim?
Desconhecido – Oras, não posso? Venho quando quero olhar a paisagem. Gosto daqui, é bom pra pensar, repor as energias!
A.L. – “esse cara deve tá tirando uma com a minha cara” – Desculpe, mas não entendi. Como pode “vir aqui sempre”? Ou você tem mais de mil anos de idade, ou mora aqui. Não dá pra subir essa montanha “sempre que se quer”!!
D. – Como não?
(silêncio)
Imaginem o estado de choque que meu pobre amigo ficou. Não podia acreditar no que via e ouvia. Era surreal! Devia ter desmaiado e estava delirando. Tentou começar do começo, depois de alguns minutos se recompondo.
A.L – Certo, desculpe-me incomodá-lo novamente. Mas pra mim, é muito importante saber. Por favor, me diga, como faz pra ter acesso às verdades daqui de cima assim, todo dia? Só para o senhor entender o grau de loucura que isso soa aos meus ouvidos: estamos, eu, meus amigos, minha família, todos que conheço, há gerações....o senhor ouviu? GERAÇÕES tentando subir esta montanha, vencendo centímetro por centímetro. Sou o primeiro, em séculos de história, a sobreviver e chegar ao topo!! Como você simplesmente vem quando quer??
D. – Entendo... você precisou descobrir a montanha sozinho, não é?
Era demais! Meu amigo sentou-se numa pedra e chorou ... de raiva! Isso era um absurdo, um bisturi em seu sistema nervoso! O desorientou, não podia acreditar. Se entendia bem, e como é inteligente pescou de cara o que aquelas palavras queriam dizer: havia quem soubesse o caminho, que passou pra alguém, que passou pra alguém... que encurtava o tempo da subida, de séculos para algumas horas! A diferença era tão absurda, e apertava tanto o seu coração! Lembrou de tudo e de todos que abriu mão; do tempo gasto; dos amigos mortos... e alguém sabia....ALGUÉM SABIA!!
A.L – então... (disse, depois de outro período de silêncio) ... você não descobriu sozinho? Alguém te guiou?
D. – ham....não. Ninguém me guiou. Vim sozinho.
A.L. – ai... – ele não tinha forças, nem pra brigar mais – como assim?
D. – Ganhei o livro de aniversário, presente de meu pai, herança de família. Não tinha vontade, nem coragem, nem tempo pra subir. Até que precisei ver o que tinha aqui em cima. Li as instruções e vim sozinho.
A.L. – Instruções? ... Livro?!
D. – Sim... um livro velho....tão velho que precisei copiá-lo, as páginas originais nem existem mais. Muitos tinham um desses, muitos já vieram aqui, eu que demorei pra querer subir.
A.L. – “muitos...” Quer dizer que enquanto todas as gerações de minha família tentavam subir um centímetro, os da sua subiam e desciam todos os dias?
D. – Me desculpe....sim.
Bom, meu amigo chorou de novo. Mas dessa vez foi de pena de si mesmo. Se sentiu o cara mais miserável, ignorante e digno de pena que conhecia.
D. – Ei moço, não precisa chorar. Pode ficar com a minha cópia do mapa. Assim o senhor desce rápido e mostra pro povo lá de baixo pra eles poderem subir também! Toma!
Ele pegou a cópia, um livro grosso, cheirando a mofo, escrito à antiga. Mas estavam lá: todos os cantinhos da montanha. Todos os atalhos, todos os perigos, todas as curvas. E um traçado mostrando o caminho mais curto. Parecia ser o mais difícil, mas o desconhecido garantiu ser o mais seguro.
Depois de se recompor, passeou no topo da montanha. Sim, dali de cima tudo fazia sentido. Dava pra ver tudo lá embaixo. Andou mais um pouco e se frustrou de novo: uma de suas “verdades” que tinha demorado pra descobrir, tinha ganhado prêmio por ela, estava num cantinho, no caminho da volta. Ali, pra qualquer um ver, pra qualquer um ter acesso. Tanto tempo perdido! Subiu ali só pra ouvir um monte de gente estranha e “atrasada” dizer “eu já sabia”.
Essa história eu guardei com carinho. Primeiro porque a fonte tinha um tanto de autoridade pra dar peso ao que ela significa. Segundo, porque sabia que um dia precisaria dela. E esse dia chegou.
Gente, eu sabia. Sim, faz tempo. Que o especialista não me leve a mal. Sei que não sou muito culta, tenho ideias atrasadas, falo “à antiga” também. Mas é que, como aquele desconhecido, tive acesso ao livro. E diferente do meu amigo, muito cedo. Lembro-me com carinho de meu amigo, ao se despedir, me olhou nos olhos, os seus marejados, e disse: “dê valor, viu! Eu queria ter tido o livro na sua idade!”
Caro amigo, obrigada! De coração! Tenho tentado seguir seus conselhos de viajante calejado!
Em honra ao meu amigo é que digo: especialista, me desculpe, mas eu já sabia! E palmas para Aquele que, com carinho, escreveu e nos deu o mapa para que não perdêssemos tanto tempo, nem sofrêssemos tanto tentando acertar sozinhos!
Segue o link da “descoberta”:
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
Pandora - parte 2

Droga, sou mulher!
Houve o dia em que cheguei a tais conclusões.
Como então conciliar toda a potência do feminino, toda essa capacidade inerente de envolver, de enredar, com a vontade sincera de não ser uma conquistadora tirana, e de ser levada a sério? Porque, se sou totalmente fria e invisível, mato a mulher que sou; mas se sou totalmente mulher, corro o risco de ser objeto de contemplação, apenas. Não quero apenas ser contemplada, quero ser conhecida. E isso depende de persistência e maior valor.
Apesar de ser mulher, sou pessoa. Penso e vivo trivialmente também, não respiro constantemente o sublime que pareço ser. Sim, posso sê-lo quando quero, é verdade; mas apenas quando quero! Então como ser mulher sem ter que ser sempre, plenamente, feminina, mas ao mesmo tempo, sem ser masculina?
Crise maior é outra: mais difícil do que não querer ser mulher, é querer ser não podendo. Quando as crises são superadas e aprendemos a lidar e a curtir nossa própria ambiguidade; quando enxergamos nossa própria beleza e sorrimos; quando tomamos consciência do poder que temos; NESSE estágio começamos a ficar perigosas.
O perigo de Pandora. Temos os segredos nas mãos, e temos consciência de tê-los. E a vontade enorme de conhecê-los. E de fazê-los conhecidos.
Quando a propulsão convulsionante e inebriante do feminino, sua beleza e seu mistério, se tornam conhecidos de nós mesmas e mais, quando nos toma de assalto, querendo ser por completo quem somos, ser nossa identidade; quando nos descobrimos completamente feitas do feminino sublime e pleno, confuso e irresistível; quando tomamos consciência do potencial de nosso fármaco, mortal e revigorante, dependendo de sua manipulação; quando a curiosidade de conhecer o que tem na caixa se torna maior que o medo de seu conteúdo...

...síndrome de Pandora: podemos ser mortíferas.
“Mulheres de Jerusalém, eu as faço jurar: não despertem nem incomodem o amor enquanto ele não o quiser.”
Ct 8. 4...
É... se precisa de muita força de vontade e de um juramento feito aos céus para conter tal turbilhão e não abrir a caixa, não ser o que se é!
Porque é preciso cuidado: é preciso entregar os segredos ao responsável nomeado pelo divino para guardá-los. Só ele saberá o que fazer com eles; e só ele será responsável por seus efeitos!
Conheço muitas garotas que ainda não se enxergaram Pandora. Não têm consciência da responsabilidade de seu potencial, nem da preciosidade de sua essência e cometem sempre o mesmo erro: se abrem ingenuamente. E se ferem constantemente.
Conheço também representantes do masculino que, sabendo da potência que temos (sim, eles nascem sabendo; nós que precisamos descobrir...) ou se deixam enredar inconsequentemente e também se machucam, ou abusam da ingenuidade de muitas e também se machucam, mesmo que não admitem. Ainda não sei qual é pior.
Mas a todos os demais, um conselho e uma (doce) ameaça, vindos de uma orgulhosa representante das filhas de Eva, Pandora, Ester, Sulamita, e qualquer outro símbolo do feminino que se quiser mencionar:
- Busquem as representantes do feminino (vulgo, mulheres) que são responsáveis. Como? Procurem as que tentam se esconder: são elas as que têm consciência do que são, do poder que têm, do perigo que representam e são capazes de escolher quando e a quem se deixam revelar (essa é a descrição que Hesíodo faz das musas ... coincidência...); seletivas, para o seu próprio bem.
- Cuidado, se for seguir o conselho acima. Porque são exatamente essas que possuem maior capacidade de ação. São invólucros de forças veladas, contidas, guardadas; forças essas cujo poder é devastador, envolvente, mortal e definitivo, caro e sem volta ... para o seu próprio bem!
Àquelas que não fazem a menor ideia do que tudo isso significa, um alerta: se olhem no espelho, antes que seja tarde demais!
“Você é um jardim fechado, minha irmã, minha noiva; você é uma nascente fechada, uma fonte selada.” Ct 4:12 - NVI
Pandora - parte 1
Πανδώρα = Pan (todos) + dora/doros (dons, presentes, dádivas) = aquela que possui todos os dons ou a que tudo dá/entrega

O Feminino.
Incompreensão ambulante. Mais que isso, ambiguidade ambulante.
“Caixinha de surpresas”.
As curvas que fascinam magicamente, ilogicamente. Afinal, no fundo, o feminino não é lógico, matemático, racional, paralelo. É o seu oposto. Expressa sinestesia. O toque colorido, a imagem temperatural, o gosto do cheiro. Difuso, confuso, inebriante. Aparição, propulsão, convulsão. Subjetivo, essencial, imanente. Universal.
E a personificação do feminino é mais ou menos isso: as mulheres são tantas coisas em uma que mal conseguem se organizar. Sabemos, sem saber o porquê, sem circunstâncias factuais. Prevemos sem um encadeamento lógico. Acima de tudo, sentimos.
E encantamos. Somos a personificação do sublime, da beleza não linear. Nosso corpo não é linear, nosso pensamento não é linear. São ambos curvilíneos, espirais, remoinhos, transcendentes. Encadeamentos encadeantes.
Somos os seres sensíveis a tudo o que não é exatamente prático.Não somos causa-efeito. Não funcionamos assim. Saímos de perto para nos aproximar, dizemos não concordando, não queremos querendo, gostamos sem gostar. Entrelaçamos ações a reações e, quase nunca, os lemos com a lógica cartesiana. Processamos gestos, lemos detalhes, e a cada nova informação somos capazes e, bem dispostas por sinal, a refazer todas as nossas verdades em frações de segundos. Processamos impressões mudas, lemos o mundo das entrelinhas, e mudamos de opinião. Não por sermos instáveis, como pode parecer. Mas por sermos sensíveis às mudanças constantes de tudo, que acontece rápido mas sutilmente, e faz toda a diferença.
E se a base de toda a ação humana é o querer, se o que nos faz humanos é nossa capacidade de ter vontade própria, desejar e agir em prol do que queremos; se o que nos diferencia dos demais seres vivos é a capacidade de desejar, sonhar, fantasiar, e com isso, e em prol disso, construir realidades; e se, portanto, temos a noção do belo, do sublime, do superior, do divino, das regras e de tudo o que escapam a elas; se somos capazes de ordenar e dar sentido ao mundo por conta de nossa percepção apurada; então é possível entender esse mundo feminino confuso. Pois somos a personificação do objeto de desejo. E do belo. Fomos feitas, planejadas e detalhadamente engendradas para atrair. Não é uma questão de querer, é de ser.
“Modesta você, não?” – diria alguns. E não é? Pára pra observar: tudo o que é belo, bom, confuso e atraente é comparado à mulher. Faz a lista: TUDO!
E não dá pra fugir. Uma mulher, por mais que queira, jamais será apenas mais um na multidão. Pode não ser o foco da atenção de todos ou da maioria, mas sempre, sem exceção, é de alguém. Porque fomos armadas com e elaboradas para isso. Um mistério ilógico, confuso, difuso, irritante e intrigante é o que nos define; e atrai.
Irresistível. Mortal, diria os gregos. Eles e todas as mitologias. O mal necessário e viciante.
E aí está o cerne de todos os nossos problemas. Porque se um dia fomos injuriadas, trancadas, caladas, submetidas, rebaixadas, era exatamente pela clara percepção de todos de que para nós é natural chamar atenção, é imanente e inerente. E as culturas masculinas, não entendendo e temendo tal potencial, silenciava o feminino pela força bruta. Alguns ainda o fazem, de forma muito mais velada.
Mas - não sei se posso ter a ousadia de tomar a palavra como representante do gênero - vejo e vivo tal problema: a incapacidade de sermos invisíveis. E muitas vezes gostaríamos de ser, acreditem. Por isso, frequentemente nos é necessário não sermos nós mesmas. Nos escondemos constantemente.
Para passarmos pela multidão despercebidas, nos camuflamos. Podemos até parecermos masculinas. Sim, porque nossa capacidade de atração provoca medo também, o que constantemente gera violências, de diversos graus. Então, para que sejamos tratadas com impessoalidade, friamente, logicamente, respeitosamente, nos transvestimos. Não podemos ser totalmente femininas no trabalho, na escola, nas relações. Porque somos sensuais por natureza, mesmo não querendo ser, mesmo não pensando em ser.
Esta é a crise de todas as pré-adolescentes. Corrigindo, de todas não. Porque na verdade, a maioria delas, das últimas gerações, assume descaradamente seu papel feminino de forma precoce. É crise sim, para aquelas que amadurecem o lado lógico, metafísico, racional antes. Para essas, a crise está instaurada para sempre. E se torna tão injusto perceber que se atrai a tudo quanto se aproxima, mesmo que a última coisa que se quer é chamar a atenção para si. No início, é frustrante levar uma cantada quando apenas se quer pedir informação. Trivial. Que coisa! Será que não é possível não ser notada, não impressionar? Com o tempo se aprende que não.
A questão é: o que fazer com isso?
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
“Basta, a cada dia, o seu mal”
´Sinto saudades do presente, que não aproveitei de todo, lembrando do passado e apostando no futuro...´ Clarice Linspector
Difícil. É muito difícil vivermos apenas o presente. Porque temos essa mania de ora lamentar o passado, ora projetar o futuro. Ênfase no segundo.
Vivemos em função, principalmente do que queremos alcançar, da próxima meta. Irrequietos. Ansiosos.
E percebo que essa mania de tentar significar as coisas, muitas vezes, atrapalha. Tentar entender o sentido dos acontecimentos é um erro na medida em que não nos permite vivê-los apenas, e intensamente. Me escapa, muitas vezes, o presente. E ele é tão fugaz!
E quando não se tem nada pra fazer, ou até que se tenha, mas se tira um tempo para não se fazer nada, é quando mais perdemos o presente e viajamos em sonhos absurdos, doces mas absurdos.
Claro que sonhar é o que nos faz chegar a algum lugar. Mas o presente, muitas vezes é tão precioso e nem nos damos conta disso. Engraçado é que só se percebe que o presente passou quando ele é passado. Logo, nesse momento também não estamos no presente, mas pensamos no passado. Percebe? É difícil!
O beijo, por exemplo. Se espera, se sonha. E quanto maior a saudade, maior a fantasia. Mas, na verdade, é um fenômeno social que se alimenta mais de memória. Porque seu presente é, sim, fugaz demais. Vivemos da memória dele, o recodificamos, o valorizamos, lhe damos significações e releituras. Mas o tempo literal de sua existência é breve, brevíssimo, mesmo os mais longos. Talvez a graça seja o tempo de elaboração. O tempo que se gasta em prepará-lo, em planejá-lo, em calculá-lo, em lhe dar momento e circunstância propícios.
E todos os grandes projetos e grandes conquistas são assim, independente de seus tamanho e importância reais. Vivemos metade do tempo lutando por eles, e a outra metade sorrindo com a lembrança de que eles existiram. Ganhar aquela bicicleta, sair com aquela garota, ouvir aquela frase, passar no vestibular, o dia da chegada de um grande amigo. Fatos soltos, pontuais, que fazem toda a diferença. O primeiro emprego, o primeiro carro, o primeiro tombo, o primeiro gol, o primeiro toque.
As estreias tendem a ser espetaculares, mesmo que trágicas. Afinal, dando certo ou não conforme nossos “planos infalíveis”, têm o gosto inconfundível do novo. Da descoberta. Da vivência experimentada in loco. E depois, passamos um bom tempo felizes com sua memória, e outro bom tempo nostálgicos por sua ausência: ahh....bons tempos aqueles!
E perdemos o presente. Sempre.
Nem paramos pra pensar que o presente é a vida de fato. Todo o resto é virtual. E estamos ficando tão acostumados com o virtual que esquecemos o gosto pelo real, pelo presente.
Queremos tudo para agora, mas quando temos já estamos de olho no próximo. Vivemos essa interminável espera e ansiedade.
Um cara judeu, cujo nome já causou reboliços inúmeros na história da humanidade, soltou a frase com que intitulo o texto. Sábio, esse cara! Porque, afinal, o bom e/ou o mal de agora são os únicos reais. E temos a mania de sofrer de “mal”s imaginários, os famosos “e se...”; as agências de seguro ganham muito dinheiro por isso!
Não que seja contra à precaução. Mas não temos ideia da riqueza de vida que estamos perdendo em deixar o presente escoar pelos dedos. O quanto deixamos de viver, de fato!
Gosto da ambigüidade do português: presente. O tempo de agora também é dádiva. Sim, porque recebemos a vida assim, sem pedir, de graça.
Vou resumir, tá Jesus: basta cada dia. Machado soube que aqueles que vivem achando que vão morrer a qualquer instante, esses são os capazes de viver melhor. São os capazes de não aumentar os monstros, e de parar para enxergar as flores, os detalhes de cada segundo presente. Sim, porque talvez seja o último; mas nos esquecemos disso.
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