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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Pandora - parte 1

Πανδώρα = Pan (todos) + dora/doros (dons, presentes, dádivas) = aquela que possui todos os dons ou a que tudo dá/entrega

O Feminino.
Incompreensão ambulante. Mais que isso, ambiguidade ambulante.
Caixinha de surpresas”.
As curvas que fascinam magicamente, ilogicamente. Afinal, no fundo, o feminino não é lógico, matemático, racional, paralelo. É o seu oposto. Expressa sinestesia. O toque colorido, a imagem temperatural, o gosto do cheiro. Difuso, confuso, inebriante. Aparição, propulsão, convulsão. Subjetivo, essencial, imanente. Universal.
E a personificação do feminino é mais ou menos isso: as mulheres são tantas coisas em uma que mal conseguem se organizar. Sabemos, sem saber o porquê, sem circunstâncias factuais. Prevemos sem um encadeamento lógico. Acima de tudo, sentimos.
E encantamos. Somos a personificação do sublime, da beleza não linear. Nosso corpo não é linear, nosso pensamento não é linear. São ambos curvilíneos, espirais, remoinhos, transcendentes. Encadeamentos encadeantes.
Somos os seres sensíveis a tudo o que não é exatamente prático.Não somos causa-efeito. Não funcionamos assim. Saímos de perto para nos aproximar, dizemos não concordando, não queremos querendo, gostamos sem gostar. Entrelaçamos ações a reações e, quase nunca, os lemos com a lógica cartesiana. Processamos gestos, lemos detalhes, e a cada nova informação somos capazes e, bem dispostas por sinal, a refazer todas as nossas verdades em frações de segundos. Processamos impressões mudas, lemos o mundo das entrelinhas, e mudamos de opinião. Não por sermos instáveis, como pode parecer. Mas por sermos sensíveis às mudanças constantes de tudo, que acontece rápido mas sutilmente, e faz toda a diferença.
E se a base de toda a ação humana é o querer, se o que nos faz humanos é nossa capacidade de ter vontade própria, desejar e agir em prol do que queremos; se o que nos diferencia dos demais seres vivos é a capacidade de desejar, sonhar, fantasiar, e com isso, e em prol disso, construir realidades; e se, portanto, temos a noção do belo, do sublime, do superior, do divino, das regras e de tudo o que escapam a elas; se somos capazes de ordenar e dar sentido ao mundo por conta de nossa percepção apurada; então é possível entender esse mundo feminino confuso. Pois somos a personificação do objeto de desejo. E do belo. Fomos feitas, planejadas e detalhadamente engendradas para atrair. Não é uma questão de querer, é de ser.
“Modesta você, não?” – diria alguns. E não é? Pára pra observar: tudo o que é belo, bom, confuso e atraente é comparado à mulher. Faz a lista: TUDO!
E não dá pra fugir. Uma mulher, por mais que queira, jamais será apenas mais um na multidão. Pode não ser o foco da atenção de todos ou da maioria, mas sempre, sem exceção, é de alguém. Porque fomos armadas com e elaboradas para isso. Um mistério ilógico, confuso, difuso, irritante e intrigante é o que nos define; e atrai.
Irresistível. Mortal, diria os gregos. Eles e todas as mitologias. O mal necessário e viciante.
E aí está o cerne de todos os nossos problemas. Porque se um dia fomos injuriadas, trancadas, caladas, submetidas, rebaixadas, era exatamente pela clara percepção de todos de que para nós é natural chamar atenção, é imanente e inerente. E as culturas masculinas, não entendendo e temendo tal potencial, silenciava o feminino pela força bruta. Alguns ainda o fazem, de forma muito mais velada.
Mas - não sei se posso ter a ousadia de tomar a palavra como representante do gênero - vejo e vivo tal problema: a incapacidade de sermos invisíveis. E muitas vezes gostaríamos de ser, acreditem. Por isso, frequentemente nos é necessário não sermos nós mesmas. Nos escondemos constantemente.
Para passarmos pela multidão despercebidas, nos camuflamos. Podemos até parecermos masculinas. Sim, porque nossa capacidade de atração provoca medo também, o que constantemente gera violências, de diversos graus. Então, para que sejamos tratadas com impessoalidade, friamente, logicamente, respeitosamente, nos transvestimos. Não podemos ser totalmente femininas no trabalho, na escola, nas relações. Porque somos sensuais por natureza, mesmo não querendo ser, mesmo não pensando em ser.
Esta é a crise de todas as pré-adolescentes. Corrigindo, de todas não. Porque na verdade, a maioria delas, das últimas gerações, assume descaradamente seu papel feminino de forma precoce. É crise sim, para aquelas que amadurecem o lado lógico, metafísico, racional antes. Para essas, a crise está instaurada para sempre. E se torna tão injusto perceber que se atrai a tudo quanto se aproxima, mesmo que a última coisa que se quer é chamar a atenção para si. No início, é frustrante levar uma cantada quando apenas se quer pedir informação. Trivial. Que coisa! Será que não é possível não ser notada, não impressionar? Com o tempo se aprende que não.
A questão é: o que fazer com isso?

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