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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

“Basta, a cada dia, o seu mal”

´Sinto saudades do presente, que não aproveitei de todo, lembrando do passado e apostando no futuro...´ Clarice Linspector

Difícil. É muito difícil vivermos apenas o presente. Porque temos essa mania de ora lamentar o passado, ora projetar o futuro. Ênfase no segundo.

Vivemos em função, principalmente do que queremos alcançar, da próxima meta. Irrequietos. Ansiosos.
E percebo que essa mania de tentar significar as coisas, muitas vezes, atrapalha. Tentar entender o sentido dos acontecimentos é um erro na medida em que não nos permite vivê-los apenas, e intensamente. Me escapa, muitas vezes, o presente. E ele é tão fugaz!

E quando não se tem nada pra fazer, ou até que se tenha, mas se tira um tempo para não se fazer nada, é quando mais perdemos o presente e viajamos em sonhos absurdos, doces mas absurdos.
Claro que sonhar é o que nos faz chegar a algum lugar. Mas o presente, muitas vezes é tão precioso e nem nos damos conta disso. Engraçado é que só se percebe que o presente passou quando ele é passado. Logo, nesse momento também não estamos no presente, mas pensamos no passado. Percebe? É difícil!

O beijo, por exemplo. Se espera, se sonha. E quanto maior a saudade, maior a fantasia. Mas, na verdade, é um fenômeno social que se alimenta mais de memória. Porque seu presente é, sim, fugaz demais. Vivemos da memória dele, o recodificamos, o valorizamos, lhe damos significações e releituras. Mas o tempo literal de sua existência é breve, brevíssimo, mesmo os mais longos. Talvez a graça seja o tempo de elaboração. O tempo que se gasta em prepará-lo, em planejá-lo, em calculá-lo, em lhe dar momento e circunstância propícios.

E todos os grandes projetos e grandes conquistas são assim, independente de seus tamanho e importância reais. Vivemos metade do tempo lutando por eles, e a outra metade sorrindo com a lembrança de que eles existiram. Ganhar aquela bicicleta, sair com aquela garota, ouvir aquela frase, passar no vestibular, o dia da chegada de um grande amigo. Fatos soltos, pontuais, que fazem toda a diferença. O primeiro emprego, o primeiro carro, o primeiro tombo, o primeiro gol, o primeiro toque.

As estreias tendem a ser espetaculares, mesmo que trágicas. Afinal, dando certo ou não conforme nossos “planos infalíveis”, têm o gosto inconfundível do novo. Da descoberta. Da vivência experimentada in loco. E depois, passamos um bom tempo felizes com sua memória, e outro bom tempo nostálgicos por sua ausência: ahh....bons tempos aqueles!

E perdemos o presente. Sempre.

Nem paramos pra pensar que o presente é a vida de fato. Todo o resto é virtual. E estamos ficando tão acostumados com o virtual que esquecemos o gosto pelo real, pelo presente.
Queremos tudo para agora, mas quando temos já estamos de olho no próximo. Vivemos essa interminável espera e ansiedade.

Um cara judeu, cujo nome já causou reboliços inúmeros na história da humanidade, soltou a frase com que intitulo o texto. Sábio, esse cara! Porque, afinal, o bom e/ou o mal de agora são os únicos reais. E temos a mania de sofrer de “mal”s imaginários, os famosos “e se...”; as agências de seguro ganham muito dinheiro por isso!

Não que seja contra à precaução. Mas não temos ideia da riqueza de vida que estamos perdendo em deixar o presente escoar pelos dedos. O quanto deixamos de viver, de fato!

Gosto da ambigüidade do português: presente. O tempo de agora também é dádiva. Sim, porque recebemos a vida assim, sem pedir, de graça.

Vou resumir, tá Jesus: basta cada dia. Machado soube que aqueles que vivem achando que vão morrer a qualquer instante, esses são os capazes de viver melhor. São os capazes de não aumentar os monstros, e de parar para enxergar as flores, os detalhes de cada segundo presente. Sim, porque talvez seja o último; mas nos esquecemos disso.

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